SIMONAL.
Brasil, 2018. Direção: Leonardo
Domingues. Com Fabrício Boliveira, Ísis
Valverde, Caco Ciocler, Leandro Hassum, Mariana Lima. 105 min.
A história, fabulosa e complicada, da carreira
de Wilson Simonal (1938-2000) tinha se tornado um tabu, do qual ninguém mais
tratava, até que o documentário “Simonal, Ninguém Sabe o Duro que Dei”, de
2009, corajosamente enfrentou a questão.
Seus diretores, Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal, foram
capazes de lançar luz sobre o paradoxo de um dos maiores cantores da história
da MPB, e de um domínio de palco
absoluto, ter sumido do mapa, por conta de suas ligações com órgãos de repressão
da ditadura militar. Simonal se valeu de
ligações com o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) para pressionar
e, ao que tudo indica, torturar seu contador, acusado de roubá-lo. Injustamente, porém. Foi também acusado de dedo-duro junto a colegas
artistas, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que teriam sido apontados como
subversivos, ou comunistas, algo jamais provado, diga-se. Ao tratar daquele filme, procurei fazer uma
síntese sobre o assunto, que pode ser acessada aqui: https://cinemacomrecheio.blogspot.com/2009/05/simonal-o-documentario.html
Agora, chega aos cinemas a produção ficcional
“Simonal”, de Leonardo Domingues, tratando a rigor das mesmas coisas,
acrescentando alguns detalhes do caso, que podem ser importantes. Mas tudo já parecia estar razoavelmente
esclarecido. Então, o destaque vai para
os êxitos de sua carreira, interpretações e desempenhos marcantes nos palcos, e
para a rejeição que se seguiu.
Um bom musical para vender novamente os
grandes sucessos do cantor. Quem
acompanhou aquela escalada vai se lembrar, com certeza, de “Sá Marina”, “Nem
Vem, que Nâo Tem”, “Mamãe Passou Açúcar Ni Mim”, “Vesti Azul”, “Aqui é o País
do Futebol”, “Carango”, “Tributo a Martin Luther King”, o grande “País
Tropical”, de Jorge Ben, e o clássico “Meu Limão, Meu Limoeiro”, de 1937, de
José Carlos Queiroz Burle (1910-1983), que Carlos Imperial (1935-1992)
registrou como se fosse composição dele.
E o nome disso, na época, não era roubo, desonestidade, era
pilantragem. Fácil assim, não é?
Constam da trilha sonora também músicas do que
seria a primeira fase de sucesso de Simonal, inspirada na bossa-nova, jazz, blues. A mais marcante,
“Balanço Zona Sul”, está lá. Outras que
aparecem são, porém, inadequadas. “Lobo
Bobo”, todo mundo sabe que é uma das mais marcantes interpretações de João
Gilberto, e “De Manhã”, um baita sucesso de Caetano, na voz de Maria Bethânia.
Simonal também as gravou, assim como gravou, por exemplo, “Disparada” e “A
Banda”, mas são apenas regravações à sua moda.
Só isso. Não são sucessos dele.
Outra coisa que me incomodou foi uma sequência
em que Simonal ensina a Jorge Ben (ou Benjor, como ficou depois) o suíngue de
“País Tropical”, com a novidade do corte das últimas sílabas. Pouca gente na MPB tem mais ritmo, balanço e
humor, do que Jorge Benjor. É muita
pretensão achar que Simonal foi quem ensinou isso a ele. Que é o criador, o compositor da música.
Enfim, recuperar os méritos, o talento de
Wilson Simonal, tudo bem. Mas não é
aceitável exagerar dessa forma. A MPB da
época dele era, e ainda é, uma geração brilhante, além de comprometida com a
luta pela liberdade e pela democracia.
Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius, Edu Lobo, Jorge Benjor, Caetano,
Gil, Milton Nascimento, Vandré, Tom Zé, tanta gente. Simonal fazia o lado mais comercial e
divertido da história. Descompromissado,
na base da alegria, alegria, em
tempos de opressão. É válido, mas
devagar com o andor que, na real, o santo se mostrou mesmo de barro.
A produção do filme “Simonal” é boa, bem
cuidada. Fabrício Boliveira, que
interpreta o cantor, consegue passar o pique e a força do Simonal dos tempos de
glória e da fase de derrocada. Ísis
Valverde tem destaque na trama, no papel da esposa Tereza. O elenco, como um todo, é muito bom.
A forma como a história é contada foca demais
em Simonal, deixando toda a brilhante MPB da época na sombra. É um erro, dá uma dimensão excessiva ao
personagem, em prejuízo do contexto que o envolvia, que não era só o da
ditadura militar, mas a da resistência a ela, brava e poderosa, por parte dos
artistas do período com quem Simonal convivia.
E dos que compartilharam de seu tempo, em paralelo à sua carreira. Fica muito mais fácil entender a rejeição que
ele sofreu no contexto mais amplo de onde ela se deu. Fica mais claro, politicamente, e bem menos
paradoxal.
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