Antonio Carlos Egypto
As mulheres estão na luta por toda
parte. Estudando, trabalhando, se
posicionando, partindo para a ação com coragem, sem esmorecer. Esbanjando solidariedade e ternura. O festival internacional de documentários É
TUDO VERDADE 2021, como não podia deixar de ser, tem mostrado isso
claramente. Já citei aqui a figura da
jornalista Maria Ressa, nas Filipinas, que enfrenta e sofre as consequências do
regime opressor de Duterte, como o mostrado no filme “Mil Cortes”.
Gostaria de destacar agora o papel das
mulheres e suas lutas em dois outros documentários muito interessantes.
9
DIAS EM RAQQA, filme
francês, dirigido por Xavier de Lauzanne, 88 min, nos leva à tragédia da região da Síria, que
foi ocupada pelo ISIS, o autodenominado Estado Islâmico, e da coragem feminina
a quem está destinado reconstruir a cidade de Raqqa.
Leila Mustapha, engenheira, de 30
anos, é a prefeita da cidade de Raqqa, no norte da Síria, que foi a base
operacional do chamado Estado Islâmico, sua “capital”. Ela e um grupo de mulheres, incluindo as de
formação militar, tomaram para si a missão de reconstruir uma cidade em
escombros, economicamente destruída, após a derrota do ISIS. Essa missão envolve promover a união e a
reconciliação de todos e garantir a democracia, superando essa opressão sem
limites que a cidade viveu. Vocês devem se lembrar dos assassinatos,
decapitações, humilhações impostas ao povo, em especial às mulheres,
destituídas de qualquer direito humano, sob o domínio desse tal Estado
Islâmico.
Uma escritora francesa ficou muito
interessada em conhecer Leila e se propôs a escrever um livro sobre ela e sua
inacreditável missão. Para isso, se
dispôs com coragem a atravessar o Iraque e a Síria e passar nove dias na
cidade, mesmo sabendo de perigos iminentes, como as minas terrestres espalhadas
que ainda estão por lá, sem falar nos militantes clandestinos do ISIS que podem
voltar a agir por meio do terrorismo, a qualquer momento. A própria prefeita tem forte segurança e se
cuida em todos os seus deslocamentos, procurando ficar pouco tempo em cada
lugar.
O que o documentário mostra é essa
viagem e os contatos mantidos entre a escritora e a prefeita, ao mesmo tempo em
que mostra alguns resultados da reconstrução paulatina da cidade, exibidos e
explicados por Leila Mustapha.
Em Raqqa, a esperança e os novos
tempos, que já acontecem, têm cara e jeito de mulher. Embora os homens também colaborem,
evidentemente. Mas elas estão à frente
de tudo.
VICENTA, documentário argentino, dirigido por
Darío Doria, 69 min, discute a questão do aborto legal no país, com uma
abordagem, no mínimo, curiosa.
O caso real relatado é apresentado por
meio de figuras fixas, bonecos moldados por massinha, sem movimentação, ou seja, não é
uma animação. A voz de uma narradora
descreve o caso, passo a passo, dirigindo-se a Vicenta, a mãe de uma jovem de
19 anos com deficiência mental, de quem veremos a imagem real ao final do
filme. Essa jovem, Laura, foi abusada
sexualmente por um tio, de quem engravidou, sem ter noção do que fazia e sem
ter noção da sua gravidez. O que ela
nunca realizou, alienada do que estava se passando com seu corpo.
VICENTA narra o périplo vivido em
busca da interrupção dessa gravidez, legalmente prevista na Argentina, mas
inviabilizada na prática pela burocracia, pelos trâmites legais e médicos. Considere-se que determinados valores morais
e religiosos se imiscuem nas decisões judiciais, impedindo, até pelo decurso do
tempo, que a solução pretendida ocorra. É
como se o Estado empurrasse as pessoas ao ato clandestino, deixando suas cidadãs
pobres à mercê de suas próprias possibilidades.
O filme mostra também os
desdobramentos desse caso, que resultou num processo judicial movido por
Vicenta, uma mulher analfabeta, contra o Estado. E o que a união de mulheres que se apoiam e
se solidarizam pode acabar produzindo de conquistas, não imaginadas
inicialmente. O documentário assume sua militância feminista na causa e
denuncia o processo hipócrita, que estabelece direitos, mas não possibilita sua
efetivação.
www.etudoverdade.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário