quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

AMOR, ESTRANHO AMOR

Antonio Carlos Egypto

 




AMOR, ESTRANHO AMOR.  Brasil, 1982.  Direção e roteiro: Walter Hugo Khouri.  Com Tarcísio Meira, Vera Fisher, Marcelo Ribeiro, Xuxa Meneghel, Mauro Mendonça, Íris Bruzzi, Walter Forster.  120 min.

 

Um filme erótico-histórico, produção caprichada, realizada com grande elenco por um dos diretores brasileiros mais competentes da nossa cena cinematográfica: Walter Hugo Khouri (1929-2003).  Essa é uma boa e correta apresentação para “Amor, Estranho Amor”, que ficou tanto tempo sem poder ser exibido por força de decisões judiciais, que o impediram de ser visto no Brasil, a partir de ações impetradas pelos representantes de Xuxa Meneghel, que detinha os direitos de exibição.  Isso desde os anos 1980.  Somente agora o filme volta a ser exibido, pela TV, no Canal Brasil, em operadoras de TV por assinatura.

 

Polêmicas à parte, a trama do filme se desenrola a partir das memórias de um homem hoje poderoso, que morou somente alguns dias numa luxuosa mansão em que vivia sua mãe, uma prostituta que compartilhava com os políticos e outros figurões uma vida de luxo e submissão ao poder.  Esse homem, Hugo, papel de Walter Forster, descobriu a sexualidade aos 12 anos de idade nesse ambiente altamente erotizado, cercado pelo interesse de belas mulheres.  O papel de Hugo menino coube a Marcelo Ribeiro, que não seguiu carreira como ator, apesar de já ter trabalhado com Khouri em “Eros, o Deus do Amor”, no ano anterior.  Talvez por conta mesmo da polêmica que se seguiu a “Amor, Estranho Amor”.

 

As memórias de Hugo adulto, esse personagem que quase não fala no filme, remetem a algo muito intenso e muito forte, que marcou sua vida a ponto de ele preservar essa mansão, um patrimônio arquitetônico, e desejar transformá-la em um centro cultural, muitas décadas depois.  O bordel de luxo dando lugar a um acervo cultural.

 




Anna, papel de Vera Fisher, lindíssima, mas frágil como atriz, a mãe de Hugo, não era a dona do bordel, mas a figura mais importante do local pelo que representava para um grande político paulista, o dr. Osmar, em ótimo desempenho de Tarcísio Meira.  Íris Bruzzi, a Laura, era a dona do negócio.

As memórias remetem ao mês de novembro do ano de 1937, quando eclodiria o Estado Novo, de inspiração fascista, decretado por Getúlio Vargas.  Mas, no prostíbulo, as relações políticas se dão na base da dobradinha café com leite.  São Paulo e Minas tentavam se cacifar para vencer as próximas eleições, que acabariam não acontecendo.  Os personagens do dr. Osmar e do dr. Benício, político mineiro vivido por Mauro Mendonça, urdem uma aliança eleitoral em que uma bela e suposta virgem entrará como presente, moeda de troca na aliança. Aí é que entra Xuxa Meneghel, no papel de Tamara, o “presente”.  Além de servir ao político mineiro, a jovem se envolve na trama com o pré-adolescente Hugo em cenas eróticas e com direito a nudez de Xuxa.  Vamos lembrar que ele tinha apenas 12 anos.  Ela, não muito mais idade, 18 ou 19 anos, mas, obviamente, mais experiente e dona de si.

 

Quanto à nudez, todas as lindas mulheres do filme são mostradas nuas, numa beleza requintada, típica dos trabalhos de Walter Hugo Khouri, cuja inspiração maior sempre foi Ingmar Bergman.  Portanto, estamos diante do chamado filme de arte, que se diferencia da pornografia.  Não visa meramente à excitação do espectador, mas oferece a beleza feminina embalada pela reflexão histórico-política, fazendo uma equiparação muito interessante entre a vida no bordel e as articulações político-partidárias.  O sexo e o poder imbricados em conluio permanente.  E a corrupção entre eles, alimentando tudo.  Muito atual tudo isso, não?

 




Bem, mas por que o tabu, a proibição?  O filme foi lançado em 1982.  Apenas dois anos depois, Xuxa enveredaria para a função de apresentadora de programas infantis na TV e acabaria tornando-se a “rainha dos baixinhos”, na Globo.  Como essa rainha seria vista nua, em cenas eróticas, com um “baixinho” na cama?  Dá para entender a preocupação com a imagem da apresentadora naquele momento.  Mas não para aceitar o banimento de uma obra de arte que, na realidade, em nada compromete a pessoa ou a atriz em questão.

 

É uma pena que o moralismo tacanho vença certas batalhas, provocando retrocessos incompreensíveis.  A própria Xuxa recomenda hoje que se veja o filme, liberado para exibição em 2018.  Um pouco tarde, mas sempre é possível resgatar coisas.  No caso de “Amor, Estranho Amor”, o filme, sem dúvida, merece ser visto ainda hoje.  Tem muito a dizer.  E sua apreciação estética é gratificante.  Até porque a cópia veiculada pela TV está com muito boa qualidade.  O filme já foi exibido há poucos dias, mas fiquem atentos.  Em breve, será possível vê-lo novamente no Canal Brasil.

   


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