sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

CINEMA...EM CASA (6)

Antonio Carlos Egypto

 

Tenho alternado meus dias atuais entre estar em São Paulo ou em Águas de São Pedro, uma vez que a pandemia não dá mesmo trégua.  Nem poderia, aliás.  Com tanto negacionismo, incompetência e falta de planejamento, o Brasil patina vacinando lentamente a sua população prioritária, ainda sem vacinas em quantidade suficiente para isso.  Vocês devem ter visto a divulgação de um estudo sério do Instituto Lowy, da Austrália, que comparou as ações do combate à pandemia de covid-19 em 98 países.  Já sabem em que lugar o Brasil ficou.  Não é brincadeira, em último.

 

Quanto ao cinema, abre com restrições, fecha, volta, com pouquíssimos espectadores. Tudo muito difícil, tanto para produtoras, distribuidores, exibidores, para todos os trabalhadores da área, como para o público.  O jeito é explorar o cinema em casa, cada um com os recursos que tiver.  Eu continuo gostando de curtir meus DVDs.

 




Nestes últimos dias no interior, explorei um box com 6 filmes da Versátil, chamado “Filmes de Tribunal”.  Uma espécie de subgênero dos filmes policiais ou de suspense, que se concentra na investigação de um caso, que costuma acabar formalmente no tribunal.  Com as acusações dos promotores, argumentação da defesa, depoimentos de testemunhas, o júri popular e a participação envolvida da plateia.

 

Dois dramas jurídicos magníficos, que são grandes clássicos que podem ser lembrados, são “12 Homens e uma Sentença”, dirigido por Sidney Lumet, em 1957, e “Testemunha de Acusação”, dirigido por Billy Wilder, também em 1957.

 

Nessa caixa de DVDs, lançada há alguns meses, o destaque vai para os filmes franceses, sendo dois dirigidos por André Cayatte (1909-1989): DOIS SÃO CULPADOS (La Glaive et la Balance), de 1963, e ATENTADO AO PUDOR (Le Risques du Métier), de 1967.  Cayatte foi advogado e cineasta, seu cinema, de muito boa qualidade, se prendia a explorar aspectos críticos da justiça, como a investigação, a coleta de depoimentos ou a pena de morte, por exemplo.  Percebe-se que são filmes de tese, feitos para difundir um conceito, uma ideia importante.  Esse aspecto merece reparos, assim como o modelo tradicional da trama.  Tanto que o advento da nouvelle vague, com sua abordagem do amor e da vida no cotidiano, com leveza e inovação narrativas, obscureceu esse tipo de cinema.

 

Vistos hoje, no entanto, podemos apreciar a qualidade da produção, os desempenhos de grandes atores e atrizes, as boas histórias que exploram.  Em DOIS SÃO CULPADOS, Anthony Perkins (de Psicose), Jean-Claude Brialy e Renato Salvatori têm ótimos desempenhos numa situação em que três suspeitos não podem ser os criminosos, mas dois deles provavelmente são.  E quando vier o impasse, o que fazer?

 

ATENTADO AO PUDOR trata do tema da acusação de abuso sexual na linha do que “A Caça”, do dinamarquês Thomas Vinterberg, desenvolveria com mais profundidade, mas só em 2012.  O filme flui muito bem, mas infelizmente acaba de forma idealizada, como o título original já sugere.  Um elenco de crianças muito bom e uma dupla de protagonistas de primeira sustentam bem o filme.  Destaque para o cantor e compositor (de Ne Me Quite Pas) Jacques Brel (1929-1978) contracenando com Emmanuelle Riva (1927-2017), a grande atriz de filmes como “Hiroshima, Mon Amour”, de Alain Resnais, (1959) e “Amor”, de Michael Haneke (2012).


 

A Verdade


Outro grande diretor francês pré nouvelle vague, Henri-Georges Clouzot (1907-1977), de filmes como “O Salário do Medo” (1953) e “As Diabólicas (1955), tem na caixa o filme A VERDADE (La Vérité), de 1960, protagonizado por Brigitte Bardot.  Aqui, mais do que a resolução do assassinato, discute-se onde está a verdade dos sentimentos e o moralismo da sociedade em relação às mulheres que ousavam se apresentar como donas de seus corpos e de seus desejos.

 

O CASO DOMINICI (L’Affaire Dominici), de 1973, de Claude Bernard Aubert (1930-2018), relata um caso real tão surpreendente desde o seu início, que foi reaberto e continua chocando pelas decisões jurídicas tomadas em cima de coisas incompreensíveis ou misteriosas.  O destaque aqui é o ator Jean Gabin (1904-1976), como protagonista, em um de seus últimos trabalhos. 

 

Dois filmes dos Estados Unidos estão presentes, também.  O mais antigo da caixa é O CRIME NÃO COMPENSA (Knock On Any Door), de 1949, protagonizado por Humphrey Bogart (1899-1957), dirigido por Nicholas Ray (1911-1979), de filmes como “Juventude Transviada” (1955) e “Johnny Guitar” (1954).  Aqui também há uma tese, a de que por trás dos crimes e delitos estão a pobreza, a falta de estrutura familiar, a desigualdade e a exclusão social.  Tudo piorou muito desde então.  Se essa consciência tivesse gerado políticas sociais relevantes em escala mundial, a história poderia ter sido outra.  Afinal, nem havíamos chegado aos anos 1950 e tudo já parecia claro.  Bata em qualquer porta e encontrará a mesma coisa por esta zona de exclusão, é o que diz o filme, já a partir de seu título original.

 



As gangues juvenis já estavam em evidência.  Delinquência e racismo são temas de JUVENTUDE SELVAGEM (The Young Savages), de 1961, dirigido por John Frankenheimer (1930-2002), protagonizado por Burt Lancaster (1913-1994).  A questão social em relevância, mais uma vez.

 

A escolha dos títulos de “Filmes de Tribunal” foi feliz na medida em que vai além dos meandros investigativos para jogar luz na sociedade e em seus problemas, além de questionar a famosa justiça, tão desejada, mas tão difícil de ser alcançada.




 

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