Antonio Carlos Egypto
Tenho alternado meus dias atuais entre
estar em São Paulo ou em Águas de São Pedro, uma vez que a pandemia não dá
mesmo trégua. Nem poderia, aliás. Com tanto negacionismo, incompetência e falta
de planejamento, o Brasil patina vacinando lentamente a sua população
prioritária, ainda sem vacinas em quantidade suficiente para isso. Vocês devem ter visto a divulgação de um estudo
sério do Instituto Lowy, da Austrália, que comparou as ações do combate à
pandemia de covid-19 em 98 países. Já
sabem em que lugar o Brasil ficou. Não é
brincadeira, em último.
Quanto ao cinema, abre com restrições,
fecha, volta, com pouquíssimos espectadores. Tudo muito difícil, tanto para
produtoras, distribuidores, exibidores, para todos os trabalhadores da área,
como para o público. O jeito é explorar
o cinema em casa, cada um com os recursos que tiver. Eu continuo gostando de curtir meus DVDs.
Nestes últimos dias no interior, explorei
um box com 6 filmes da Versátil, chamado “Filmes de Tribunal”. Uma espécie de subgênero dos filmes policiais
ou de suspense, que se concentra na investigação de um caso, que costuma acabar
formalmente no tribunal. Com as
acusações dos promotores, argumentação da defesa, depoimentos de testemunhas, o
júri popular e a participação envolvida da plateia.
Dois dramas jurídicos magníficos, que
são grandes clássicos que podem ser lembrados, são “12 Homens e uma Sentença”,
dirigido por Sidney Lumet, em 1957, e “Testemunha de Acusação”, dirigido por
Billy Wilder, também em 1957.
Nessa caixa de DVDs, lançada há alguns
meses, o destaque vai para os filmes franceses, sendo dois dirigidos por André
Cayatte (1909-1989): DOIS SÃO CULPADOS (La Glaive et la Balance), de 1963, e ATENTADO AO PUDOR (Le Risques du Métier), de 1967.
Cayatte foi advogado e cineasta, seu cinema, de muito boa qualidade, se
prendia a explorar aspectos críticos da justiça, como a investigação, a coleta
de depoimentos ou a pena de morte, por exemplo.
Percebe-se que são filmes de tese, feitos para difundir um conceito, uma
ideia importante. Esse aspecto merece
reparos, assim como o modelo tradicional da trama. Tanto que o advento da nouvelle vague, com sua abordagem do amor e da vida no cotidiano,
com leveza e inovação narrativas, obscureceu esse tipo de cinema.
Vistos hoje, no entanto, podemos
apreciar a qualidade da produção, os desempenhos de grandes atores e atrizes,
as boas histórias que exploram. Em DOIS SÃO CULPADOS, Anthony Perkins (de Psicose), Jean-Claude Brialy e Renato
Salvatori têm ótimos desempenhos numa situação em que três suspeitos não podem
ser os criminosos, mas dois deles provavelmente são. E quando vier o impasse, o que fazer?
ATENTADO
AO PUDOR trata do
tema da acusação de abuso sexual na linha do que “A Caça”, do dinamarquês
Thomas Vinterberg, desenvolveria com mais profundidade, mas só em 2012. O filme flui muito bem, mas infelizmente
acaba de forma idealizada, como o título original já sugere. Um elenco de crianças muito bom e uma dupla
de protagonistas de primeira sustentam bem o filme. Destaque para o cantor e compositor (de Ne Me Quite Pas) Jacques Brel
(1929-1978) contracenando com Emmanuelle Riva (1927-2017), a grande atriz de
filmes como “Hiroshima, Mon Amour”, de Alain Resnais, (1959) e “Amor”, de
Michael Haneke (2012).
A Verdade |
Outro grande diretor francês pré nouvelle vague, Henri-Georges Clouzot
(1907-1977), de filmes como “O Salário do Medo” (1953) e “As Diabólicas (1955),
tem na caixa o filme A VERDADE (La Vérité), de 1960, protagonizado por
Brigitte Bardot. Aqui, mais do que a resolução
do assassinato, discute-se onde está a verdade dos sentimentos e o moralismo da
sociedade em relação às mulheres que ousavam se apresentar como donas de seus
corpos e de seus desejos.
O
CASO DOMINICI (L’Affaire Dominici), de 1973, de Claude Bernard Aubert
(1930-2018), relata um caso real tão surpreendente desde o seu início, que foi
reaberto e continua chocando pelas decisões jurídicas tomadas em cima de coisas
incompreensíveis ou misteriosas. O
destaque aqui é o ator Jean Gabin (1904-1976), como protagonista, em um de seus
últimos trabalhos.
Dois filmes dos Estados Unidos estão
presentes, também. O mais antigo da
caixa é O CRIME NÃO COMPENSA (Knock On Any Door), de 1949,
protagonizado por Humphrey Bogart (1899-1957), dirigido por Nicholas Ray
(1911-1979), de filmes como “Juventude Transviada” (1955) e “Johnny Guitar”
(1954). Aqui também há uma tese, a de
que por trás dos crimes e delitos estão a pobreza, a falta de estrutura
familiar, a desigualdade e a exclusão social.
Tudo piorou muito desde então. Se
essa consciência tivesse gerado políticas sociais relevantes em escala mundial,
a história poderia ter sido outra.
Afinal, nem havíamos chegado aos anos 1950 e tudo já parecia claro. Bata em qualquer porta e encontrará a mesma
coisa por esta zona de exclusão, é o que diz o filme, já a partir de seu título
original.
As gangues juvenis já estavam em
evidência. Delinquência e racismo são
temas de JUVENTUDE SELVAGEM (The Young Savages), de 1961, dirigido
por John Frankenheimer (1930-2002), protagonizado por Burt Lancaster
(1913-1994). A questão social em
relevância, mais uma vez.
A escolha dos títulos de “Filmes de
Tribunal” foi feliz na medida em que vai além dos meandros investigativos para
jogar luz na sociedade e em seus problemas, além de questionar a famosa
justiça, tão desejada, mas tão difícil de ser alcançada.
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