Antonio Carlos Egypto
AMOR, ESTRANHO AMOR. Brasil, 1982.
Direção e roteiro: Walter Hugo Khouri.
Com Tarcísio Meira, Vera Fisher, Marcelo Ribeiro, Xuxa Meneghel, Mauro
Mendonça, Íris Bruzzi, Walter Forster.
120 min.
Um filme erótico-histórico, produção
caprichada, realizada com grande elenco por um dos diretores brasileiros mais
competentes da nossa cena cinematográfica: Walter Hugo Khouri (1929-2003). Essa é uma boa e correta apresentação para
“Amor, Estranho Amor”, que ficou tanto tempo sem poder ser exibido por força de
decisões judiciais, que o impediram de ser visto no Brasil, a partir de ações
impetradas pelos representantes de Xuxa Meneghel, que detinha os direitos de
exibição. Isso desde os anos 1980. Somente agora o filme volta a ser exibido,
pela TV, no Canal Brasil, em operadoras de TV por assinatura.
Polêmicas à parte, a trama do filme se
desenrola a partir das memórias de um homem hoje poderoso, que morou somente
alguns dias numa luxuosa mansão em que vivia sua mãe, uma prostituta que
compartilhava com os políticos e outros figurões uma vida de luxo e submissão
ao poder. Esse homem, Hugo, papel de
Walter Forster, descobriu a sexualidade aos 12 anos de idade nesse ambiente
altamente erotizado, cercado pelo interesse de belas mulheres. O papel de Hugo menino coube a Marcelo
Ribeiro, que não seguiu carreira como ator, apesar de já ter trabalhado com
Khouri em “Eros, o Deus do Amor”, no ano anterior. Talvez por conta mesmo da polêmica que se
seguiu a “Amor, Estranho Amor”.
As memórias de Hugo adulto, esse
personagem que quase não fala no filme, remetem a algo muito intenso e muito
forte, que marcou sua vida a ponto de ele preservar essa mansão, um patrimônio
arquitetônico, e desejar transformá-la em um centro cultural, muitas décadas
depois. O bordel de luxo dando lugar a
um acervo cultural.
Anna, papel de Vera Fisher,
lindíssima, mas frágil como atriz, a mãe de Hugo, não era a dona do bordel, mas
a figura mais importante do local pelo que representava para um grande político
paulista, o dr. Osmar, em ótimo desempenho de Tarcísio Meira. Íris Bruzzi, a Laura, era a dona do negócio.
As memórias remetem ao mês de novembro
do ano de 1937, quando eclodiria o Estado Novo, de inspiração fascista,
decretado por Getúlio Vargas. Mas, no
prostíbulo, as relações políticas se dão na base da dobradinha café com
leite. São Paulo e Minas tentavam se
cacifar para vencer as próximas eleições, que acabariam não acontecendo. Os personagens do dr. Osmar e do dr. Benício,
político mineiro vivido por Mauro Mendonça, urdem uma aliança eleitoral em que
uma bela e suposta virgem entrará como presente, moeda de troca na aliança. Aí
é que entra Xuxa Meneghel, no papel de Tamara, o “presente”. Além de servir ao político mineiro, a jovem
se envolve na trama com o pré-adolescente Hugo em cenas eróticas e com direito
a nudez de Xuxa. Vamos lembrar que ele
tinha apenas 12 anos. Ela, não muito
mais idade, 18 ou 19 anos, mas, obviamente, mais experiente e dona de si.
Quanto à nudez, todas as lindas
mulheres do filme são mostradas nuas, numa beleza requintada, típica dos
trabalhos de Walter Hugo Khouri, cuja inspiração maior sempre foi Ingmar
Bergman. Portanto, estamos diante do chamado
filme de arte, que se diferencia da pornografia. Não visa meramente à excitação do espectador,
mas oferece a beleza feminina embalada pela reflexão histórico-política,
fazendo uma equiparação muito interessante entre a vida no bordel e as
articulações político-partidárias. O
sexo e o poder imbricados em conluio permanente. E a corrupção entre eles, alimentando
tudo. Muito atual tudo isso, não?
Bem, mas por que o tabu, a
proibição? O filme foi lançado em
1982. Apenas dois anos depois, Xuxa enveredaria
para a função de apresentadora de programas infantis na TV e acabaria
tornando-se a “rainha dos baixinhos”, na Globo.
Como essa rainha seria vista nua, em cenas eróticas, com um “baixinho”
na cama? Dá para entender a preocupação
com a imagem da apresentadora naquele momento.
Mas não para aceitar o banimento de uma obra de arte que, na realidade,
em nada compromete a pessoa ou a atriz em questão.
É uma pena que o moralismo tacanho
vença certas batalhas, provocando retrocessos incompreensíveis. A própria Xuxa recomenda hoje que se veja o
filme, liberado para exibição em 2018.
Um pouco tarde, mas sempre é possível resgatar coisas. No caso de “Amor, Estranho Amor”, o filme,
sem dúvida, merece ser visto ainda hoje.
Tem muito a dizer. E sua apreciação
estética é gratificante. Até porque a
cópia veiculada pela TV está com muito boa qualidade. O filme já foi exibido há poucos dias, mas
fiquem atentos. Em breve, será possível
vê-lo novamente no Canal Brasil.
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