sábado, 6 de maio de 2017

DESTAQUES DO "É TUDO VERDADE"


Antonio Carlos Egypto


O Festival de Documentários, nacionais e internacionais, “É Tudo Verdade”, 22ª. edição, 2017, apresentou uma qualidade de trabalhos admirável.  Vi vários filmes, muito menos do que gostaria, mas devo dizer que gostei bastante do que vi.  Vamos a um rápido comentário sobre alguns dos filmes que pude ver.


Cidades Fantasmas


CIDADES FANTASMAS, de Tyrell Spencer, foi o vencedor da competição brasileira de documentários longa-metragem.  É uma produção gaúcha, da famosa Casa de Cinema de Porto Alegre, apesar de o nome do diretor sugerir uma origem estrangeira. Tyrell foi filmar a realidade de quatro cidades abandonadas, a partir dos que restaram nelas ou dos que delas se lembram.  Da antiga Fordlândia, no Pará, Brasil, restaram belas casas hoje ocupadas por posseiros.  A erupção de um vulcão pôs fim à cidade de Armero, na Colômbia.  O fim da prosperidade da época do salitre, no Chile, acabou com a cidade de Humberstone.  E a quebra se uma barragem inundou e transformou em ruínas uma antiga e animada estação de águas medicinais, em Epecuén, na Argentina. Um belo trabalho do jovem diretor gaúcho, com sensibilidade para ouvir e entender os “sobreviventes” dessas cidades mortas, que buscam preservar suas memórias.

COMUNHÃO (Komunia), de Anna Zamecka, vencedor da competição internacional de longas documentais, é da Polônia e mostra uma família em que nada parece funcionar como deveria.  O pai, distante da realidade, vive embalado no álcool.  A mãe saiu de casa e vive com outro homem e um bebê.  A jovem Ola, de 14 anos, é a chefe dessa família, assumindo os cuidados do seu irmão autista, de 13 anos.  É impressionante o papel que essa menina assume, tentando juntar os cacos dessa estrutura familiar desmoronada.


Os Cariocas

                                                                   
EU, MEU PAI E OS CARIOCAS – 70 ANOS DE MÚSICA NO BRASIL, de Lúcia Veríssimo, resgata a fantástica contribuição do maior conjunto vocal da história da música popular brasileira: Os Cariocas.  Lúcia é filha de Severino Filho (1928-2016), um dos grandes expoentes do grupo vocal, que o manteve em atividade por tantos anos, apesar de um interregno no período da ditadura militar.  É de se orgulhar e sair cantando.  Eles eram espetaculares e cobriram largos períodos e estilos musicais brasileiros, sempre com arranjos originais.  Lúcia Veríssimo se coloca no título adiante do pai e do próprio conjunto, sendo que seu trabalho não é musical.  Isso soou estranho.  Mas não desqualifica o trabalho que ela fez e a oportunidade da realização, trazendo Severino vivo e ativo para ser lembrado e homenageado.

CIDADE DE FANTASMAS (City of Ghosts) é outro filme, embora o título seja quase o mesmo do documentário brasileiro vencedor do Festival.  Este filme é estadunidense e abriu o evento em São Paulo.  Aqui, a cidade que está sendo assassinada é Raqqua, na Síria, por conta da guerra e das atrocidades do ISIS, que se autointitula Estado Islâmico.  Mas um grupo de jornalistas ativistas, militantes, arrisca tudo para registrar e divulgar pelo mundo o que se passa por lá.  Gente de fibra, de coragem, que faz a diferença.


Cidade de Fantasmas


NO INTENSO AGORA, de João Moreira Salles, é um trabalho de reeleitura de imagens recolhidas de diferentes arquivos e da própria mãe do diretor.  Uma viagem que ela fez à China de Mao Tsé Tung, em 1966, foi o que deu o ponto de saída, ao que Moreira Salles agregou várias filmagens do Maio de 1968 em Paris, da Primavera de Praga e do Brasil do AI-5, do mesmo período. Não são captadas novas imagens, o que se busca é o sentido, a representação de um período histórico do mundo, que é um dos mais transformadores da contemporaneidade.  É, enfim, um belo estudo do contexto das imagens e do que elas podem revelar de quem as filmou.  Proposta brilhante. Um novo e atento olhar sobre imagens existentes, que foram selecionadas por uma temática em comum, mostram novas possibilidades para os documentários.  O filme foi um dos grandes destaques do evento, apresentado fora de competição.

CINE SÃO PAULO, de Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli, homenageia a paixão pelo cinema, ao contar a história de Francisco Teles, um obcecado e abnegado dono de sala de exibição em Dois Córregos, SP, que nunca deixou a sala fechar, apesar de todos os contratempos.  Por meio de sua trajetória, vão acontecendo as mudanças nas plataformas de ver filmes, do projetor a carvão ao digital, passando pela TV, videocassete e DVD.  Aí vai se revelando uma figura humana admirável e divertida.  Seu Chico é um bom personagem e o ambiente que o cerca também é bastante revelador.  O filme, com isso, cresce e amplia seus horizontes.


Cine São Paulo


QUEM É PRIMAVERA DAS NEVES, é outro ótimo trabalho da Casa de Cinema de Porto Alegre, dirigido por Jorge Furtado e Ana Luíza Azevedo, grandes e reconhecidos cineastas. Tudo começou com a curiosidade de Jorge Furtado a respeito de uma tradutora de livros de Lewis Carroll, Júlio Verne e outros, chamada Primavera das Neves, um nome que, após os anos 1960, não apareceu mais.  Um nome desses, poético, significa o quê?  Um pseudônimo, alguém que não existe?  Ou terá mesmo existido uma pessoa com esse nome, de verdade?  A resposta vem pela Internet e se abre a possibilidade de explorar uma existência, rica e complexa, que traz muitas informações sobre aspectos da história brasileira e portuguesa, elementos afetivos muito sólidos e delicados, amizades duradouras, casamento marcante e complicado.  Enfim, uma vida a ser conhecida e lembrada.  E o documentário faz isso muito bem.

Dentre as coisas que vi, gostaria de destacar, ainda, da mostra retrospectiva de documentários soviéticos,  MAIS LUZ! (Bólche Sviéta),  de 1987,  de Marina Babak, que para marcar os 70 anos da Revolução Russa fez um apanhado histórico dos acertos e erros desse período todo, que vai de Lênin, figura inspiradora máxima, à perestroika e à glásnot de Gorbachev, que marca uma nova era.  Muita coisa nova viria à tona naquela época, e neste documentário, que traz figuras que andavam apagadas da história oficial.





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