Antonio
Carlos Egypto
UM POMBO POUSOU NUM GALHO, REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA
(En Duva Satt Pa En Gren Och Funderade Pa Tilvaron).
Suécia, 2014. Direção e roteiro: Roy
Andersson. Com Holger Andersson, Nils
Westblom, Viktor Gyllenberg. 101 min.
“Um Pombo Pousou num Galho, Refletindo sobre a
Existência”, do diretor sueco Roy Andersson, pelo título já diz a que
veio. Não se pode esperar uma narrativa
clássica, nem realista. Nem é algo que possa ser apreendido facilmente.
A matéria-prima do filme é o non sense, a farsa. Mas o
elemento humor vai temperado com um indisfarçável amargor, que aponta a
tragédia da espécie humana na terra.
O filme se compõe de cenas independentes, por onde
circulam alguns personagens que se repetem ou desaparecem no decorrer das
situações. Essas cenas, sequências,
estão sempre muito bem estruturadas, do ponto de vista formal, para produzir
estranhamento, dúvida, surpresa ou decepção.
A câmera é fixa, a encenação envolve todo o campo visual, muita coisa
acontece ao fundo ou ao lado do quadro.
E frequentemente são as coisas mais importantes.
A atmosfera é não só estranha como peculiar. A maquiagem e as roupas acentuam os tons
brancos nos personagens, enquanto a coloração das cenas é esmaecida. Assim, uma tropa de soldados envergando azul
ou um forno crematório amarelo-castor se destacam sobremaneira quando
aparecem. O que predomina são os tons
claros, cinzentos, escuros ou apagados.
Isso confere um sentido trágico a situações engraçadas. De modo que você não sabe se assiste a um
drama de humor ou a uma comédia trágica, se é que esses rótulos significam
alguma coisa importante.
O que é mostrado no filme vai desde o cotidiano mais
banal, comezinho, até a tragédia da guerra e do massacre humanos. Mas tudo se expressa de modo simbólico. Nada é óbvio, nem evidente, nem
realista.
Frases se repetem, ao longo de todo o filme, como “Estou
feliz de saber que você está bem”. É
quase só o que se diz ao telefone, o tempo todo. E, a rigor, ninguém está bem.
Não tema, que isso não vai atrapalhá-lo em nada, mas
vou-lhe contar o fraseado da última sequência.
Alguém entra dizendo: “Hoje já é quarta-feira outra vez”. Um homem num ponto de ônibus se surpreende e
pergunta, mais de uma vez, aos transeuntes: “É mesmo quarta-feira? Eu pensei que fosse quinta. Tem toda a cara de quinta”. Ao que um deles retruca: “Os dias não têm
cara. Você tem que saber que, se ontem
foi terça, hoje é quarta e amanhã é quinta”.
E nesse clima termina o filme.
O que isso tem a ver com o que se passou antes? Aparentemente, nada, até porque esses
personagens nem estavam em cena. Mas também pode ter tudo a ver com a forma
como lidamos com o tempo e com a nossa própria desorientação diante dele e da
aceleração da vida. Isso tem a ver com
todos, de algum modo. Não é complicado,
mas também não é claro. Há margem para
diferentes interpretações. E por que uma
sequência como essa está no fim e não no início do filme? Cada um pode tirar suas conclusões.
Em que pese toda a fragmentação da narrativa, dois
personagens percorrem quase todo o filme.
São vendedores de novidades para o entretenimento das pessoas. Não têm o menor talento para isso, nem um
pingo de humor para convencer os eventuais compradores dos produtos que
vendem. São personagens sem charme esses
protagonistas deslocados. Por que
eles? Porque estamos todos, de algum
modo, deslocados nesse mundo? Para que
possamos reconhecer nossa própria idiotice e incapacidade de convívio
humano? Para que possamos nos
diferenciar da mediocridade reinante? “Um
Pombo Pousou num Galho, Refletindo sobre a Existência” abre espaço para um
festival de questionamentos e reflexões, enquanto a gente observa coisas
esquisitas na tela. O curioso é que o
estranho soa absolutamente familiar.
Sem dúvida, a tragédia da existência é a matéria de
reflexão do pombo, embora linearmente a reflexão dele num poema tenha sido a
respeito do fato de que pombos não têm dinheiro. Ou que ele, ao menos, não tenha.
Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2014, “Um
Pombo... “ encerra uma trilogia sobre o ser humano e a morte, magnífica, que
começou com “Canções do Segundo Andar”, em 2000, e seguiu com “Vocês, os Vivos”,
de 2007. O talento do diretor Roy
Andersson para compor cenas e lidar com atores, geralmente não profissionais,
construindo climas surrealistas muito inventivos, fortes, marcantes, em
ambiente peculiar, faz dele um autêntico autor de cinema. Estranho, mas brilhante.
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