Antonio
Carlos Egypto
ÚLTIMAS CONVERSAS.
Brasil, 2014. Direção: Eduardo
Coutinho. Documentário. 85 min.
“Últimas Conversas” é o trabalho derradeiro de um dos
maiores documentaristas da história do cinema, no Brasil e no mundo: Eduardo
Coutinho. Ele conversou com adolescentes
de escolas públicas do Rio de Janeiro, cursando o ensino médio, em vias de
concluí-lo, buscando entender quais seriam os interesses, preocupações e sonhos
desses jovens. Tentando, como sempre,
buscar o que possa surgir de novo, intrigante, relevante. Sempre aberto a ouvir e compreender o ser
humano para além de expectativas, teorias ou verdades pré-estabelecidas. Ou, mesmo, hipóteses a serem comprovadas.
Morreu tragicamente antes de poder concluir o seu
filme, em fevereiro de 2014, esfaqueado pelo próprio filho, em surto
psicótico. Trágica perda para o nosso
cinema.
“Últimas Conversas” foi, então, concluído pelo também
excelente documentarista João Moreira Salles, produtor habitual dos filmes de
Coutinho. A montagem ficou a cargo de
Jordana Berg, montadora que já havia realizado junto com o cineasta diversos
projetos.
Como consequência, o filme acabou tendo uma presença
intensa do próprio Coutinho em cena, o que não teria ocorrido se ele estivesse
vivo. A ideia foi mostrar o método de
trabalho dele, suas exigências e insatisfações.
Já de início, Coutinho fala à câmera sobre a frustração que é colher
depoimentos de adolescentes: por um lado, lhes faltam a experiência e história
de vida suficientes, por outro, já perderam a espontaneidade e a graça da
infância. Tudo parecia estar pouco
satisfatório no que ele havia feito até ali.
Mas as entrevistas já estavam em fase final de coleta, a essa altura.
Sucedem-se os depoimentos que, de algum modo, mostram
um retrato da chamada classe C, a classe média emergente que vem tendo acesso
ao estudo e ao consumo nos últimos anos.
O quadro familiar também aparece claramente em sua diversidade e
pluralidade. É inegável que os
depoimentos selecionados nos falam de coisas importantes, nos ensinam coisas
relevantes sobre essas pessoas. E que a
emoção brota de forma clara. Parecia
pouco ao mestre do documentário no Brasil, mas não é nada irrelevante. Confirma que seu método de conversar e
realizar documentários é um caminho muito rico e proveitoso para o cinema. Na sua aparente simplicidade está sua
força. Aliás, tudo que é brilhante,
especialmente talentoso, parece simples aos olhos de quem vê. A simplicidade é o maior mérito do artista ou
do escritor.
A edição termina com uma entrevista com uma menina de
6 anos, uma criança viva, inteligente e muito expressiva. Como que a realizar o último desejo manifesto
de Eduardo Coutinho. Mas aí há um
equívoco: a menina entrevistada é de classe alta, filha de médico e
patologista, bem distante da realidade dos adolescentes mostrados
anteriormente. Não é possível
comparar. Podemos supor que as crianças
das outras classes sociais também poderiam exibir tal encanto, diante das
câmeras, mas seu repertório certamente seria outro. Os universos apresentados não guardam muita
relação entre si.
“Últimas Conversas” pode não ter sido um grande
coroamento para uma carreira de excepcional qualidade. Mas os clássicos que Coutinho realizou antes
continuarão a servir de bússola na busca de um humanismo sempre muito
necessário nos tempos atuais.
“Cabra Marcado Para Morrer”, de 1964-1984, “Santo
Forte”, de 1999, “Edifício Master”, de 2002, “Peões”, de 2004, “Jogo de Cena”,
de 2007, e “As Canções”, de 2011, entre outros, são filmes preciosos, em que a
marca do trabalho de Eduardo Coutinho permanecerá viva para todos que gostam de
pensar e gostam de cinema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário