Antonio Carlos Egypto
WINTER
SLEEP (Kis Uykusu). Turquia,
2014. Direção: Nuri Bilge Ceylan. Com Haluk Bilginer, Melisa Sözen, Demet Akbag, Ayberck Pekcan. 196 min.
O turco Nuri Bilge Ceylan é um dos mais importantes
cineastas em atividade no mundo. Seus
trabalhos cinematográficos são muito elaborados, têm densidade, complexidade e
grande apuro visual. Seus filmes
“Climas”, de 2006, e “Era Uma Vez na
Anatólia”, de 2011, são reveladores do requinte e da qualidade técnica
de sua obra. Não surpreendeu, portanto,
que seu novo filme, “Winter Sleep”, tenha levado a Palma de Ouro do Festival de
Cannes.
É mais um grande filme desse diretor. Grande, não só no talento, mas também na
duração: são nada menos do que 196 minutos de projeção. Mas vale a pena encará-los, o ritmo é lento,
mas o filme trata com profundidade de questões pessoais, de relacionamentos e
conflitos, altamente reveladores de sentimentos, mágoas acumuladas, opressões,
humilhações, concessões, catarses.
Referências literárias e teatrais, como Tchekov, Dostoiewski e
Strindberg, são visíveis. Muitos
momentos lembram os diálogos fortes e cortantes dos filmes de Ingmar Bergman.
Também estão marcadamente trabalhadas as manifestações
de classe social, não só as diferenças de poder e interesses, os inevitáveis
confrontos, mas as barreiras e impossibilidades que surgem das tentativas
ingênuas ou equivocadas de reduzi-las ou negá-las.
Os níveis psicológico e social se interpenetram nos
dramas vividos pelos personagens, em meio à beleza turística da região da
Capadócia, na Anatólia Central. O
personagem principal da narrativa é Aydin (Haluk Bilginer), dono de um hotel,
escritor e ex-ator, com grande poder na
pequena localidade onde vive, em função do dinheiro que acumulou. Benfeitor ou opressor, nos limites da própria
casa ou da propriedade que comanda, manipulador das relações que maneja, é
colocado em xeque pelo casamento que realizou com uma mulher muito mais jovem,
Nibal (Melisa Sözen), que constrói sua própria visão de mundo e questiona sua
realidade e seu vínculo matrimonial.
Questões intelectuais ligadas à ética da criação
literária ao autoengano e à filosofia da existência emergem das relações com a
irmã que mora com ele, Necla (Demet Akbag), e opõem um ao outro.
Em relação aos empregados e aos inquilinos com
aluguel em atraso, se tecerá uma rede de conflitos sociais capaz de agravar as
relações de todos, naquele ambiente, em que até mesmo os turistas, que se
servem do hotel, podem entrar na dança.
A Capadócia, em suas estranhas formas, é explorada
visualmente como referência de aridez, isolamento, instintos e expressões
selvagens, como a dos cavalos soltos no ambiente. A neve que advirá no inverno congela os corações
e as possibilidades, enquanto o fogo aquece temporariamente, mas é também
destruidor de ilusões. Os enquadramentos
e o trabalho de câmera, sutil e delicado, se valem da beleza da região para
produzir o requinte visual que marca a produção do cineasta. Os atores e atrizes que dão vida a todas as
reflexões propostas pelo filme são muito convincentes e competentes na tarefa
que abraçaram. E Nuri Bilge Ceylan, como
diretor, e também roteirista, vai construindo uma obra cinematográfica como
poucas na atualidade.
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