Antonio Carlos Egypto
OS
FILHOS DO PADRE (Svestenikova Deca). Croácia, 2013. Direção: Vinko Bresan. Com Kresimir Mikic, Niksa Butijer, Marika
Skaricic. 104 min.
Você
já viu algum filme croata nos cinemas?
Como a imensa maioria das pessoas, é provável que não. Pois agora você tem a chance de ver um, e é
um ótimo filme. Trata-se da comédia “Os
Filhos do Padre”, que certamente vai diverti-lo ou diverti-la. Mas, para além disso, vai mexer com as questões
atuais da Igreja Católica, suas contradições, seus pecados e omissões, e até a
ingenuidade que pode gerar mais problemas do que resolvê-los.
Tudo
se passa numa pequena vila à beira-mar, na Dalmácia. Fabian (Kresimir Mikic) é um jovem padre bem
intencionado, que se espanta com o que constata: no lugarejo, há mais mortes do
que nascimentos, o que, ao longo do tempo, vai fazer a população
desaparecer. O padre mais velho que lá
está, e é bem relacionado com todos, não parece preocupado. Mas Fabian acha que as coisas não podem
seguir assim, resolve investigar e agir.
Descobre que Petar (Niksa Butijer), dono de uma banquinha, tem bom lucro
com a venda de camisinhas, muito populares por lá. Ele é o único do local a vendê-las e se
pergunta se está fazendo a coisa certa.
Sua mulher o acusa de matar gente, isto é, impedir que elas nasçam. Vai daí, que o jovem padre acha que encontrou
a solução para o problema: furar as embalagens de camisinhas antes que Petar as
ponha à venda. E vai pôr seu plano em
ação.
Esse
é só o começo da história, já que a questão é bem mais complicada do que isso e
vai gerar um grande número de desmembramentos, mexer com outras variáveis e
situações, que acabarão transformando o engraçado em dramático. “Os Filhos do Padre” faz essa passagem muito
bem. Vai com leveza mostrando as
implicações profundas que uma visão rígida da sexualidade pode trazer a toda
uma comunidade. Mexe com a idealização
do conceito tradicional de casamento e de família, bem como com os valores
ligados à virgindade e à fidelidade.
Põe
em evidência o comportamento real das pessoas, que é muito diferente do que
imagina o padre, ainda que se trate de um vilarejo temente a Deus e que
valoriza e respeita a religião e seus representantes.
Naturalmente,
não se esquece de mexer em temas como a pedofilia e a vida abastada da
hierarquia católica, além das armadilhas e vantagens que os segredos das
confissões engendram. Há referências ao
longo papado de João Paulo II e à ortodoxia de Bento XVI. O papa Francisco, com seu espírito aberto e
reformador, ainda não havia chegado. De
qualquer modo, os problemas continuam lá, a desafiar os rumos da Igreja. O que
o filme aponta segue valendo. O que
mudou foi a esperança de poder, a partir de agora, enfrentá-los de fato.
“Os
Filhos do Padre” provoca risos e dá o que pensar. Incomoda, também, mas sem agressividade e,
sobretudo, sem proselitismo. É bom
cinema. Tem um excelente roteiro, que
amarra bem as situações criadas, é verossímil, inteligente e bem
concebido. Tem atores muito bons, um bom
timing de comédia e consegue ser
sutil, evita o escracho. Foi um sucesso
de público na Croácia. Aqui, foi lançado
apenas em uma sala de cinema de São Paulo.
Tomara que resista e ganhe público, no boca-a-boca. É um filme que merece
ter sucesso por aqui, também.
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