domingo, 16 de março de 2014

OS FILHOS DO PADRE


Antonio Carlos Egypto



OS FILHOS DO PADRE (Svestenikova Deca).  Croácia, 2013.  Direção: Vinko Bresan.  Com Kresimir Mikic, Niksa Butijer, Marika Skaricic.  104 min. 



Você já viu algum filme croata nos cinemas?  Como a imensa maioria das pessoas, é provável que não.  Pois agora você tem a chance de ver um, e é um ótimo filme.  Trata-se da comédia “Os Filhos do Padre”, que certamente vai diverti-lo ou diverti-la.  Mas, para além disso, vai mexer com as questões atuais da Igreja Católica, suas contradições, seus pecados e omissões, e até a ingenuidade que pode gerar mais problemas do que resolvê-los.



Tudo se passa numa pequena vila à beira-mar, na Dalmácia.  Fabian (Kresimir Mikic) é um jovem padre bem intencionado, que se espanta com o que constata: no lugarejo, há mais mortes do que nascimentos, o que, ao longo do tempo, vai fazer a população desaparecer.  O padre mais velho que lá está, e é bem relacionado com todos, não parece preocupado.  Mas Fabian acha que as coisas não podem seguir assim, resolve investigar e agir.  Descobre que Petar (Niksa Butijer), dono de uma banquinha, tem bom lucro com a venda de camisinhas, muito populares por lá.  Ele é o único do local a vendê-las e se pergunta se está fazendo a coisa certa.  Sua mulher o acusa de matar gente, isto é, impedir que elas nasçam.  Vai daí, que o jovem padre acha que encontrou a solução para o problema: furar as embalagens de camisinhas antes que Petar as ponha à venda.  E vai pôr seu plano em ação.



Esse é só o começo da história, já que a questão é bem mais complicada do que isso e vai gerar um grande número de desmembramentos, mexer com outras variáveis e situações, que acabarão transformando o engraçado em dramático.  “Os Filhos do Padre” faz essa passagem muito bem.  Vai com leveza mostrando as implicações profundas que uma visão rígida da sexualidade pode trazer a toda uma comunidade.  Mexe com a idealização do conceito tradicional de casamento e de família, bem como com os valores ligados à virgindade e à fidelidade.

Põe em evidência o comportamento real das pessoas, que é muito diferente do que imagina o padre, ainda que se trate de um vilarejo temente a Deus e que valoriza e respeita a religião e seus representantes.



Naturalmente, não se esquece de mexer em temas como a pedofilia e a vida abastada da hierarquia católica, além das armadilhas e vantagens que os segredos das confissões engendram.  Há referências ao longo papado de João Paulo II e à ortodoxia de Bento XVI.  O papa Francisco, com seu espírito aberto e reformador, ainda não havia chegado.  De qualquer modo, os problemas continuam lá, a desafiar os rumos da Igreja. O que o filme aponta segue valendo.  O que mudou foi a esperança de poder, a partir de agora, enfrentá-los de fato.

“Os Filhos do Padre” provoca risos e dá o que pensar.  Incomoda, também, mas sem agressividade e, sobretudo, sem proselitismo.  É bom cinema.  Tem um excelente roteiro, que amarra bem as situações criadas, é verossímil, inteligente e bem concebido.  Tem atores muito bons, um bom timing de comédia e consegue ser sutil, evita o escracho.  Foi um sucesso de público na Croácia.  Aqui, foi lançado apenas em uma sala de cinema de São Paulo.  Tomara que resista e ganhe público, no boca-a-boca. É um filme que merece ter sucesso por aqui, também.




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