quarta-feira, 12 de abril de 2023

O PASTOR, O GUERRILHEIRO E O LODO

     Antonio Carlos Egypto

 

 



O PASTOR E O GUERRILHEIRO.  Brasil, 2022. Direção: José Eduardo Belmonte.  Elenco: Johnny Massaro, Julia Dalavia, César Mello, Cássia Kis, Sérgio Mamberti.  115 min.

 

João ou Miguel Souza (Johnny Massaro), jovem comunista, opta pela luta armada de resistência à ditadura militar, no Araguaia, nos anos 1970.  Zaqueu (César Mello) é um pastor evangélico de fala fácil e bom canto.  O    que teriam em comum não fosse o fato de ambos acabarem presos na mesma cela e submetidos às torturas habituais do regime militar?  Zaqueu foi preso por engano, ou pela pueril acusação de ser amigo de estudantes que seriam comunistas.

Juliana (Julia Dalavia) é militante estudantil e filha ilegítima de um coronel, que comete suicídio e deixa uma herança para ela.  Convivendo com sua avó doente, D. Ivani (Cássia Kis), o dinheiro será bem-vindo.  Mas ela descobre que seu pai foi o torturador dos dois jovens, sendo que João era seu namorado.  A questão ética, então, se coloca.  A questão legal encontra a barreira da postura moral.

Com esses personagens, José Eduardo Belmonte fez uma ficção, apresentada como baseada em fatos reais, que nos remete aos anos de chumbo da ditadura e seus métodos terríveis, além de erros absurdos, como teria sido a prisão de Zaqueu.

Mesmo sem se aprofundar na questão política, que está no centro da trama, o filme é importante porque remete à reflexão sobre esse período autoritário da nossa história que muitos, pelo jeito, ainda não entenderam o mal que nos causou.

Johnny Massaro está brilhante no papel do guerrilheiro, com uma entrega física e psicológica notável.  Julia Dalavia e César Mello estão muito bem nos seus papéis e só não dá para entender a presença de Cássia Kis no elenco, já que ela foi vista em eventos bolsonaristas, apoiando a intervenção militar em manifestação antidemocrática.  Seu papel no filme fica incoerente com sua atuação política.  Já a presença do saudoso Sérgio Mamberti, num pequeno papel, é absolutamente coerente com sua atuação, que sempre foi firme pela democracia, fora das telas.


 


O LODO.  Brasil, 2022.  Direção: Helvécio Ratton.  Elenco: Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Teuda Bara, Renato Parara, Rodolfo Vaz.  94 min.


“O Lodo” mostra a experiência aterrorizante do personagem Manfredo (Eduardo Moreira), em sua vida pacata de funcionário de uma agência de seguros.  Remete à experiência do personagem kafkiano de O Processo, porém, aqui, a situação é diferente, ela se explica, ou se apresenta, pelo mundo interno do próprio Manfredo.  A opressão externa é um sentimento dele, não um fato que possa ser atribuído a um regime, por definição, opressor.  Ou a uma burocracia que engula e sufoque o indivíduo.  Embora ela possa estar presente, o que importa mais é como ela é percebida.

Acompanhamos Manfredo em seus sentimentos, desejos, hesitações, medos e culpa, enquanto ele resiste a um tratamento psicanalítico, projetando no dr. Pink (Renato Parara) a figura maligna e massacrante de quem é obsessivo por curá–lo, purgando o lodo que toma conta de suas entranhas.  E prescrutando seu passado, insistentemente.  Assim, realidade, sonho, pesadelo e fantasia, andam juntos sem se distinguirem e a figura de Manfredo sucumbe e adoece em meio a esse emaranhado de pressões, que ele já não tem como suportar.

As figuras femininas com quem ele convive são fortes, mas não aliviam sua angústia.  O affaire com a mulher do chefe traz prazer, mas também traz perigo.  E elas acabam por decidir por ele, enquanto ele se omite.

Uma filmagem quase toda feita em espaços internos, e reduzidos, torna o mundo sufocante de Manfredo uma realidade palpável para o espectador.  Assim como a materialização do lodo.  Não diria que o espectador acompanhe aterrorizado essa sina, mas que o suspense se mantém e envolve quem o acompanha.

O filme é uma adaptação do conto homônimo de Murilo Rubião.  Um ótimo elenco, encabeçado por Eduardo Moreira, com atores e atrizes do grupo Galpão de teatro, que já têm uma longa parceria no palco, faz de “O Lodo” um espetáculo cinematográfico forte e contundente

 

 

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