Antonio Carlos Egypto
O
PASTOR E O GUERRILHEIRO. Brasil, 2022.
Direção: José Eduardo Belmonte. Elenco:
Johnny Massaro, Julia Dalavia, César Mello, Cássia Kis, Sérgio Mamberti. 115 min.
João
ou Miguel Souza (Johnny Massaro), jovem comunista, opta pela luta armada de
resistência à ditadura militar, no Araguaia, nos anos 1970. Zaqueu (César Mello) é um pastor evangélico
de fala fácil e bom canto. O que teriam em comum não fosse o fato de ambos
acabarem presos na mesma cela e submetidos às torturas habituais do regime
militar? Zaqueu foi preso por engano, ou
pela pueril acusação de ser amigo de estudantes que seriam comunistas.
Juliana
(Julia Dalavia) é militante estudantil e filha ilegítima de um coronel, que
comete suicídio e deixa uma herança para ela.
Convivendo com sua avó doente, D. Ivani (Cássia Kis), o dinheiro será
bem-vindo. Mas ela descobre que seu pai
foi o torturador dos dois jovens, sendo que João era seu namorado. A questão ética, então, se coloca. A questão legal encontra a barreira da
postura moral.
Com
esses personagens, José Eduardo Belmonte fez uma ficção, apresentada como
baseada em fatos reais, que nos remete aos anos de chumbo da ditadura e seus
métodos terríveis, além de erros absurdos, como teria sido a prisão de Zaqueu.
Mesmo
sem se aprofundar na questão política, que está no centro da trama, o filme é
importante porque remete à reflexão sobre esse período autoritário da nossa
história que muitos, pelo jeito, ainda não entenderam o mal que nos causou.
Johnny
Massaro está brilhante no papel do guerrilheiro, com uma entrega física e
psicológica notável. Julia Dalavia e
César Mello estão muito bem nos seus papéis e só não dá para entender a
presença de Cássia Kis no elenco, já que ela foi vista em eventos
bolsonaristas, apoiando a intervenção militar em manifestação
antidemocrática. Seu papel no filme fica
incoerente com sua atuação política. Já
a presença do saudoso Sérgio Mamberti, num pequeno papel, é absolutamente coerente
com sua atuação, que sempre foi firme pela democracia, fora das telas.
O
LODO. Brasil, 2022. Direção: Helvécio Ratton. Elenco: Eduardo Moreira, Inês Peixoto, Teuda
Bara, Renato Parara, Rodolfo Vaz. 94
min.
“O
Lodo” mostra a experiência aterrorizante do personagem Manfredo (Eduardo
Moreira), em sua vida pacata de funcionário de uma agência de seguros. Remete à experiência do personagem kafkiano
de O Processo, porém, aqui, a
situação é diferente, ela se explica, ou se apresenta, pelo mundo interno do
próprio Manfredo. A opressão externa é
um sentimento dele, não um fato que possa ser atribuído a um regime, por
definição, opressor. Ou a uma burocracia
que engula e sufoque o indivíduo. Embora
ela possa estar presente, o que importa mais é como ela é percebida.
Acompanhamos
Manfredo em seus sentimentos, desejos, hesitações, medos e culpa, enquanto ele
resiste a um tratamento psicanalítico, projetando no dr. Pink (Renato Parara) a
figura maligna e massacrante de quem é obsessivo por curá–lo, purgando o lodo
que toma conta de suas entranhas. E prescrutando
seu passado, insistentemente. Assim,
realidade, sonho, pesadelo e fantasia, andam juntos sem se distinguirem e a
figura de Manfredo sucumbe e adoece em meio a esse emaranhado de pressões, que
ele já não tem como suportar.
As
figuras femininas com quem ele convive são fortes, mas não aliviam sua
angústia. O affaire com a mulher do chefe traz prazer, mas também traz
perigo. E elas acabam por decidir por
ele, enquanto ele se omite.
Uma
filmagem quase toda feita em espaços internos, e reduzidos, torna o mundo
sufocante de Manfredo uma realidade palpável para o espectador. Assim como a materialização do lodo. Não diria que o espectador acompanhe
aterrorizado essa sina, mas que o suspense se mantém e envolve quem o
acompanha.
O
filme é uma adaptação do conto homônimo de Murilo Rubião. Um ótimo elenco, encabeçado por Eduardo
Moreira, com atores e atrizes do grupo Galpão de teatro, que já têm uma longa
parceria no palco, faz de “O Lodo” um espetáculo cinematográfico forte e
contundente
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