quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

GAROTO DOS CÉUS e AFTERSUN

 Antonio Carlos Egypto




Destaque da 46ª. Mostra Internacional de Cinema, onde foi exibido com o título de BOY FROM HEAVEN (Walad Min Al Janna), GAROTO DOS CÉUS, embora não pareça, é um filme sueco, com a participação dos demais países escandinavos e da França, na produção.  O diretor Tarik Saleh, apesar do nome, também é sueco, sua mãe é sueca, seu pai, egípcio.  É no Egito que se passa toda a trama do filme, que não pôde ser filmado lá e foi, então, realizado na Turquia.

 GAROTO DOS CÉUS é um magnífico thriller, que mexe com todo o jogo de poder dentro de uma estrutura religiosa, no caso, a do islamismo sunita.  A instituição retratada é a Universidade Al-Azhar, no Cairo, principal instituição mundial dessa tendência, que parece ter um forte poder paralelo que tanto fustiga, incomoda, quanto apoia o Estado egípcio. E é influenciada e manejada por esse mesmo Estado, numa relação perigosa e conturbada.

 A trama se baseia num jovem personagem decidido, mas simples, oriundo de uma aldeia de pescadores egípcia, que recebe uma Bolsa para estudar em Al-Azhar e se mete no intrincado jogo político para a escolha do novo Grande Imã, em substituição ao que acabou de falecer. 

 A eleição desse Imã acontece por imposições pessoais, assassinatos, denúncias comprovadas que tiram do páreo o favorito do momento, tudo numa espécie de concílio para lá de comprometido e comprometedor.

Toda uma teia de relações e acontecimentos vai sendo tecida, pouco a pouco, por meio de um roteiro muito bem elaborado, reconhecido e premiado em Cannes.  Enquanto enlaça o espectador na narrativa, o filme desnuda o sórdido esquema político, o jogo de poder que está por trás, onde não se vê verdade alguma, lisura, comprometimento espiritual e outras coisas que deveriam caracterizar uma instituição de ensino e formação religiosos.  Veem-se as relações do poder político com o poder religioso, em confronto interno, por meio de suas linhas e divisões.

Percebe-se que o diretor e roteirista, Tarilk Saleh, conhece bem os meandros dessa luta político-religiosa no Egito e nos ambientes muçulmanos, pelos elementos e detalhes que aparecem na trama.  Quanto à crueldade e à barbárie que se esconde sob a capa da devoção a Alá, não são muito diferentes das de outras crenças e instituições poderosas, religiosas ou não, que comandam e sempre comandaram o mundo.  Shakespeare que o diga!  Para não entrar em questões mais próximas de nós, do que está por aqui mesmo.

Elenco: Tawfeek Barhom, Fares Fares, Mohammad Bakri, Makram Khoury, Mehdi Dehbi. 119 min.

 




AFTERSUN, do Reino Unido, primeiro longa da cineasta escocesa Charlotte Wells, também foi destaque e venceu o prêmio do Júri de novos diretores, da mesma Mostra. Apresenta uma narrativa inteiramente centrada na relação de um pai de 30 anos com a filha de 11, que acontece num pacote de férias na Turquia. Por meio de pequenos momentos, rotinas de lazer, contatos que surgem, detalhes de todo tipo, com inteligência e perspicácia, vamos percebendo o que está em jogo nessa relação não habitual, já que eles não vivem juntos. Há muito afeto e frustração no ar. E muita fluidez numa trama ao mesmo tempo simples e complexa.

Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio, Celia Rowlson Hall. 98 min.

 

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