Antonio Carlos Egypto
MARIGHELLA. Brasil, 2019.
Direção: Wagner Moura. Elenco:
Seu Jorge, Adriana Esteves, Bruno Gagliasso, Rafael Lozano, Bella Camero,
Humberto Carrão, Herson Capri. 155 min.
Wagner Moura é um dos grandes atores
brasileiros de sua geração, e com uma carreira internacional. Com o filme “Marighella”, ele passou também à
direção. Para um primeiro projeto, ele
fez uma escolha nada fácil. Antes de
tudo, porque o personagem é muito marcado, herói ou bandido, revolucionário ou
terrorista, segundo o ponto de vista da esquerda ou da direita. Considere-se também que a cinebiografia de
Carlos Marighella (1911-1969) só comportaria uma produção de larga escala, com
muitos atores, havia muito o que contar e só fazia sentido se fosse bem feita
e, de preferência, com apelo popular.
De apelo popular Wagner Moura
entende. Basta lembrar seus papéis como
Capitão Nascimento, Pablo Escobar, as novelas da TV Globo, entre muitos outros
trabalhos. Outra dificuldade estava na
adaptação da biografia, escrita por Mário Magalhães, Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. Era preciso circunscrever um período de tempo
para encontrar o foco do filme.
Um grande desafio que o filme encontrou
foi o dos recursos, com um governo de extrema direita tentando impedir, a
qualquer preço, o filme de ser lançado, colocando todos os entraves
burocráticos possíveis, não liberando o dinheiro que seria devido. Em outras palavras, exercendo censura em plena
vigência do regime democrático e da Constituição de 1988 que a aboliu. Como se
não bastasse, veio a pandemia. O
lançamento previsto para 2019 ficou impedido nos cinemas. Streaming
seria muito pouco para um filme dessa importância.
Montar o elenco com um protagonista de
peso para viver Carlos Marighella não parecia tão complicado. Mano Brown foi a escolha de Wagner desde o
início. Mas não foi possível, o projeto
exigia do músico uma dedicação e um tempo de que ele não poderia dispor sem
comprometer sua carreira. Ele teria o
tom de pele mulato ideal, já que Marighella era filho de uma mulher negra,
filha de escravos, e de um homem branco, italiano. Isso não preocupava o diretor, que logo
encontrou um ator fantástico para assumir o papel: Seu Jorge. A cor da pele preta enegrecia o
personagem. Mas e daí? Ambos são negros. Na verdade, ele diz que só veio a pensar
nisso depois, quando ouviu comentários a respeito.
Enfim, todas essas dificuldades foram
sendo resolvidas e o filme está aí, nos cinemas, causando impacto, sendo
admirado e aplaudido, enquanto alguns tentam solapar o sucesso que já se
delineia, dando notas baixas ao filme no site IMDb, para tentar prejudicá-lo
internacionalmente.
“Marighella” é um filme poderoso, pela
trama que conta, pelo resgate da história recente do país na ditadura militar e
pela resposta ousada e corajosa da luta armada, que o guerrilheiro, um dos
fundadores da ALN (Aliança Libertadora Nacional), escritor e ex-deputado pelo
Partido Comunista Brasileiro, comandou.
O período adotado pela narrativa se concentra na vida e luta de
Marighella de 1964, início do golpe militar, até sua morte, em 1969, no momento
mais conturbado do país no período.
“Marighella” assume uma posição de
respeito e valorização da figura do guerrilheiro, ao mesmo tempo em que
constrói personagens complexos e multifacetados, humanos como todos nós. Tanto o protagonista e suas relações quanto
até mesmo seus algozes. O filme tem
posição, mas não é panfletário. Procura
fidelidade aos fatos e entender a figura humana de Carlos Marighella e sua
dedicação à luta que ele julgava urgente e necessária naquele momento.
Além disso, o filme procura mesmo
atingir o público, tem inclusive muita ação, um ritmo tenso e envolvente. É político, mas também passa pelos
sentimentos, pelos riscos pessoais, pelas limitações que a batalha impõe às
relações familiares. Tem tempo de
mostrar uma figura doce e terna, em meio á dureza e à agressividade das ações e
decisões. Um elenco afiadíssimo, com
atuações firmes e intensas, sustenta muito bem a narrativa, as situações de
grande tensão e as cenas de ação.
É um filme com capacidade de dialogar
com públicos diversos, não caiu na armadilha de dirigir-se apenas a uma bolha,
como costuma acontecer nas redes sociais, no ambiente polarizado que estamos
vivendo na sociedade brasileira atual. A
maioria dos que o estão atacando por lá o faz gratuitamente, nem sequer o viu.
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