Antonio Carlos Egypto
MIGLIACCIO, O BRASILEIRO EM CENA. Brasil, 2021. Direção: Alexandre Rocha,
Marcelo Pedrozzi e João Mariano ( Tuco).
Documentário. 86 min.
O filme “Migliaccio, o Brasileiro em
Cena” é uma homenagem declarada ao grande ator Flávio Migliaccio (1935-2020),
que também atuou como produtor, roteirista, diretor e até como desenhista,
cartunista. Uma figura humana marcada
pela humildade e dignidade, em meio a tanto talento.
Ele mesmo se definia como um ser
humano amador, aquele que está sempre em busca de aprender, de viver melhor, de
experimentar modos de ser. Como ele
procurou, ao se isolar num belo espaço de natureza, construindo coisas e
vivendo uma solidão que não o incomodava.
Ao contrário, ele a buscava em meio a tanto burburinho do sucesso, do
assédio dos fãs, da figura pública tão conhecida da TV. Profissional dedicado, empenhava-se para
fazer o melhor trabalho e evoluir nos diversos aspectos do seu métier, ainda assim se sentia um amador na vida.
São os pensamentos e reflexões de
Flávio Migliaccio, ao completar 80 anos de idade, o foco do documentário. Numa conversa informal, enquanto come alguma
coisa, à beira da praia ou do seu sítio, ele vai discorrendo sobre a sua
profissão, a sua visão da arte como ofício.
E o faz com profundidade.
A figura simpática e alegre que sempre
cativou os telespectadores, inclusive os mirins, tem na verdade uma larga
trajetória artística por trás de si. No
teatro e no cinema, ele encarnou o homem do povo, o brasileiro. Do famoso e lutador Teatro de Arena, com
gente como Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, desenvolveu um senso das
questões sociais e políticas agudo. No
cinema, por exemplo, esteve em “Terra em Transe”, de Glauber Rocha,
representando justamente o povo. Enfim,
um artista de esquerda, que se formou a partir de suas origens populares, vindo
de uma família pobre, com 16 irmãos, em que o pai aspirava que ele viesse a se
tornar barbeiro. E que, já idoso, pediu ao
filho que fizesse sua barba, com uma navalha, em pleno sucesso televisivo
global. Fiel a suas origens, alegre e
divertido, Flávio encantou, vivendo personagens diversos, que ele fazia sem
esforço, com muita naturalidade.
Aos 80 anos, com os cabelos brancos a
se desprender da cabeça e mais sério, devido à abordagem do documentário, ele
encanta pela pessoa que é, com seu jeito simples e ao mesmo tempo sofisticado
de ser. Alguém que pensa o mundo e a
própria vida com intensidade. O filme
não trata do suicídio que ele cometeria cinco anos depois, já desencantado pelo
declínio da velhice e pelo avanço da extrema direita fascista, que ele
desprezava e temia.
No filme, ele se pergunta o que
significa chegar aos 80 anos, com uma longa vida vivida, reafirmando a
descrença em Deus, que já vem de longe.
Um ato de coragem e despreendimento, não é?
Sobre a carreira artística brilhante,
não é preciso dizer muita coisa, os fragmentos do trabalho de Flávio
Migliaccio, inseridos entre as suas reflexões, falam por si. Ao que parece, no final de seus dias, ele
sentia que a sua existência não tinha servido para muita coisa, ou para nada,
mesmo. Grande engano. A obra de Migliaccio é soberba, ficará para
sempre nos registros mais expressivos da cultura brasileira.
“Migliaccio, o Brasileiro em Cena”
entra em cartaz nos cinemas em 08 de julho de 2021, mas como o filme tem
coprodução da Globo News, do Canal Brasil e da Rede Globo, onde ele atuou de 1972
a 2019, chegará posteriormente à TV, também.
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