Antonio Carlos Egypto
ACQUA MOVIE. Brasil, 2019.
Direção: Lírio Ferreira. Roteiro
de Lírio Ferreira, Marcelo Gomes e Paulo Caldas. Com Alessandra Negrini, Antônio Haddad,
Guilherme Weber, Augusto Madeira. 105
min.
O diretor pernambucano Lírio Ferreira
já tem uma carreira sólida no cinema brasileiro, com filmes importantes: “Baile
Perfumado”, codirigido por Paulo Caldas, em 1996, “Árido Movie”, em 2005,
“Cartola, Música para os Olhos”, codirigido por Hilton Lacerda, em 2007, e “O
Homem que Engarrafava Nuvens”, sobre Humberto Teixeira, em 2009.
Seu novo trabalho, “Acqua Movie”,
dialoga com “Árido Movie”, na história, no retrato do nordeste que segue
violento, com o coronelismo que permanece por lá, nos conflitos resolvidos a
bala, na perseguição e preconceito com o povo indígena, e no retorno a Rocha,
cidade do sertão pernambucano. Só que
agora Rocha não há mais, foi inteiramente inundada pela transposição do rio São
Francisco. O jovem Cícero (Antônio
Haddad) convence sua mãe Duda (Alessandra Negrini) a levar para lá as cinzas de
seu pai morto, Jonas (Guilherme Weber), mesmo personagem de “Árido Movie”. Só que só vai conseguir espalhá-las pelo São
Francisco, hospedando-se em Nova Rocha, a 10 quilômetros da antiga Rocha.
A família que domina Nova Rocha é a
deles, de Jonas, Duda e Cícero, mas é opressora do sertão e nada tem a ver com
suas crenças atuais. Basta dizer que
Duda é documentarista, interessa-se pela demarcação das terras indígenas e filma
na Amazônia. Jonas, agora morto, para lá
também não havia voltado. O adolescente
Cícero, no entanto, poderá ser seduzido pelo poder dos parentes.
Como se vê pela descrição da situação,
poderia se armar um suspense com potencial de tragédia. Mas Lírio Ferreira busca caminhos
distintos. Investe no road movie (filme de estrada),
explorando a diversidade humana e biológica do local. E, claro, a beleza da região, trazendo agora
a água ao primeiro plano. Não mais a
aridez da terra rachada pela seca. Se a
água traz um bem, também traz alguns males. Como diz um personagem que lá vive,
represa é água parada, é água morta, o rio é vivo e corre. E ele está perdendo
força.
Enfim, o nordeste mudou de cara, já
não é mais o mesmo. Contudo, a realidade
social permanece, agravada por alguns fatores, como a ausência de políticas
públicas relevantes para o enfrentamento da miséria ou da proteção aos povos
indígenas, além do desmatamento que, como sabemos, só piorou. Com as estruturas de poder intocadas, não se
construirá uma nova realidade, ainda que a beleza da água se destaque em
paisagem menos árida.
“Acqua Movie” explora visualmente a
força e a beleza da água desde a primeira tomada, um jogo adolescente de surf dentro de casa. As ondas já nos levam á nova dimensão da
história. Que fala de perdas submergidas
na água do São Francisco, assim como Jonas, que sofre um infarto sob a água do
chuveiro e transforma completamente a vida de Cícero, de quem era muito
próximo. Pegar a estrada é para Duda e
para o garoto a chance de reaproximação, já que o trabalho dela a deixava distante
dele por muito tempo. Mas será, essencialmente, a oportunidade de conhecer,
reconhecer, uma região nordestina transformada pela vinda da água.
O filme é visualmente muito bonito, de
concepção moderna, cujas imagens envolvem o espectador que se concentra naquilo
que vê, mais do que no desenrolar da trama em si. O elenco tem ótimo desempenho
dos protagonistas, em especial, Alessandra Negrini. Antônio Haddad começa bem no cinema, Guilherme
Weber, agora em papel menor, e Augusto Madeira estão muito bem. E ainda há espaço para participações
especiais de Marcela Cartaxo, bem divertida, e do cineasta Cláudio Assis. Mais um tento a celebrar de Lírio Ferreira e
do cinema pernambucano.
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