A GRANDE DAMA DO CINEMA (El Cuento de Los Compadrejas).
Argentina, 2019. Direção e
roteiro: Juan José Campanella. Com
Graciela Borges, Oscar Martinez, Luis Brandoni, Marcos Mundstock, Clara Lago,
Nicolás Francella. 123 min.
“A Grande Dama do Cinema”, o título em
português para o filme argentino “El Cuento de Los Compadrejas”, enfatiza uma
das características do novo trabalho de Juan José Campanella: a homenagem ao
clássico, de 1950, de Billy Wilder, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard). Esse filme seminal de Wilder é sempre
lembrado como referência ou reencenado, como é o caso do musical teatral que
está em cartaz em São Paulo.
“A Grande Dama do Cinema” retoma essa
história, não só trazendo-a para a Argentina atual e seus personagens: a atriz,
o diretor, o roteirista, agora envelhecidos, que perderam o sucesso nos anos
1970, quando vigorava a ditadura militar no país, como acrescenta inúmeros
outros elementos e situações. O marido
aparece como ator e em cadeira de rodas, como um novo personagem, o quarto da
trama. E, para abordar a questão da diferença
geracional, um casal de jovens entra nas relações, trazendo os conceitos
capitalistas de lucro máximo e ética mínima, ou nenhuma, ao contexto. Ou seja, o ponto de partida é claro, o de
chegada, não.
O filme de Campanella surpreende em muitos
aspectos. Faz um passeio pelos gêneros
cinematográficos, de forma muito competente e segura. Com muito ritmo, passa da comédia ao drama e
ao suspense, com um roteiro muito rico e bem engendrado. Os diálogos, que compõem um relacionamento
corrosivo, sarcástico e competitivo, entre os personagens, são admiráveis,
inteligentes, divertidos, tocam nas feridas, provocam e, ao mesmo tempo,
esclarecem os fatos.
As artimanhas dos personagens fazem jus ao seu
passado glorioso, jogos exigem planejamento, ensaios e atuações para enfrentar
a situação-problema que viviam no momento.
O final “natural” versus o final concebido para virar o jogo é um dos
grandes trunfos do filme.
Há muitas sequências interessantes para se
apreciar. Em uma delas, Mara fala,
enquanto um filme, com seu rosto jovem, aparece projetado, os rostos e lábios
se superpõem e se descolam, unindo passado e presente. A forma como se constrói a narrativa que
resulta em um assassinato e a disputa por um antídoto para um veneno é
realizada com perfeição.
O cineasta Juan José Campanella já é bem
conhecido e faz sucesso no Brasil há um bom tempo. Quem não viu “O Filho da Noiva”, de 2001,
“Clube da Lua”, de 2004, e o fabuloso “O Segredo dos Seus Olhos”, de 2009? Ele é um grande talento do cinema contemporâneo
de nossos hermanos, com quem
rivalizamos tanto no futebol, mas de quem gostamos muito no cinema.
No caso deste filme, é importante destacar o
incrível trabalho do elenco, brilhante, e de quem Campanella extraiu o
melhor. A grande atriz Graciela Borges
vive Mara Ordóz, uma antiga diva das telas, que vive de lembranças e objetos de
seu sucesso, em que se destaca um Oscar, pesado, a ponto de ser responsável por
uma morte (lembremos que Campanella levou o Oscar de filme estrangeiro por “O
Segredo dos Seus Olhos”). A escadaria
que notabilizou Gloria Swanson como Norma Desmond, em “Crepúsculo dos Deuses”,
é coadjuvante do notável desempenho de Graciela. Mas seus parceiros de cena alcançam também
grandes performances: Luis Brandoni,
como Pedro, o marido de Mara, Oscar Martinez, como Norberto, o diretor, com
quem ela sempre trabalhou. E o
roteirista desta história passada de êxito, Martin, é vivido pelo grande Marcos
Mundstock. Talvez nem todo mundo saiba
que Marcos é um multiartista, músico, escritor e comediante, um dos fundadores
de um grupo extraordinário de música e humor, chamado Les
Luthiers, que encanta as plateias de língua espanhola, por toda a América e
Espanha, há 40 anos. Infelizmente, é
pouco conhecido no Brasil. Mas o humor
sarcástico de Marcos Mundstock, muito característico no Les Luthiers, está magnificamente bem aproveitado em “A Grande Dama
do Cinema”. O casal de jovens atores,
Clara Lago, como Bárbara, e Nicolás Francella, como Fernando, não se intimida
diante dos veteranos talentos com quem contracenam, dão conta do recado muito
bem.
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