Antonio Carlos
Egypto
Como eu já esperava, a 24ª. edição do Festival
“É Tudo Verdade”, em 2019, tem apresentado uma leva de documentários nacionais
muito atraente. Essa é uma área em que o
cinema brasileiro tem mostrado muita competência e sintonia com o nosso tempo e
com a nossa cultura, avançando sempre.
Dos 7 documentários que vi nessa edição, 5 em
competição e 2, em programação especial de lançamento, gostei de todos. O que mais me empolgou tem a ver com
preferências artísticas pessoais e com marcas que vêm da infância: DORIVAL CAYMMI – UM HOMEM DE AFETOS, de
Daniela Broitman. Basta dizer que
“Maracangalha” foi talvez a música mais importante da minha infância. Desde antes de a bossa nova surgir e me
arrebatar, eu já me encantava com o talento do velho Dorival, um dos poucos a
quem se pode chamar de gênio, sem qualquer exagero. Ele, Villa-Lobos, Tom Jobim, Pixinguinha,
para falar só dos que já se foram. E o
filme emociona porque traz a figura humana de Caymmi, marcada por seus afetos,
como diz o título, exibindo também suas fraquezas e contradições. Mas destacando o melhor, a sua música. Uma entrevista inédita do compositor e
cantor, gravada em 1998, é o fio condutor, mas lá estão também seus três
filhos, Danilo, Dori e Nana, e ótimas falas, contribuições de Gilberto Gil e
Caetano Veloso, para a compreensão da grande importância de Caymmi para a
cultura brasileira. 90 minutos.
DORIVAL CAYMMI |
Um outro belo trabalho fez o crítico Ricardo Calil em CINE MARROCOS. A partir do famoso e luxuoso cinema
paulistano, que acabou abandonado e foi ocupado num determinado período pelo
pessoal do Movimento Social dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), ele introduz a
arte, que era a própria razão de ser do prédio. Resgata projeções de filmes antigos e oficinas
de representação, estimuladas pelas sequências cinematográficas, enquanto, a
partir dos integrantes da ação, nos mostra o que é e como funciona a ocupação,
para além dos preconceitos habituais.
Dos 25 membros iniciais até chegar aos 3 mil que moravam lá, quando da
desocupação, há toda uma história que é possível conceber, a partir do
documentário, de apenas 76 minutos.
Belíssimo também é NIÈDE, o documentário sobre a arqueóloga brasileira Niède Guidon,
responsável pela revelação das pinturas rupestres do sul do Piauí, que deram
origem a um parque importantíssimo e a pesquisas que contestam teorias sobre a
chegada do homem à América. As pinturas,
de exuberante beleza e complexidade, jogam por terra ideias de um primitivismo
simplório que teria havido por aqui, em contraste com o que se via na
Europa. E muitas perguntas ainda estão
no ar. O documentário de Tiago Tambelli
só peca pelo excesso de tempo. Uma
edição um pouco mais enxuta do que os 135 minutos apresentados valorizaria
ainda mais o trabalho realizado, evitando repetições.
NIÈDE |
O documentário RUMO, combinando entrevistas, animações e imagens de arquivo, conta
a história do criativo e inovador grupo Rumo, que reuniu integrantes como Paulo
e Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Hélio Ziskind, Ákira Ueno e Zécarlos Ribeiro, e se
destacou pela originalidade, especialmente na década de 1980. Mas eles ainda estão por aí, celebrando essa
história, resgatada pelo documentário de Flávio Frederico e Mariana Pamplona,
de 77 minutos.
Ainda entre os documentários brasileiros em
competição, vi SOLDADO ESTRANGEIRO,
de José Joffily e Pedro Rossi, que focaliza três brasileiros que integram, ou
integraram, exércitos estrangeiros. Um,
na França, outro, em Israel, e outro que é veterano nos Estados Unidos. O que faz com que alguém vá participar de uma
guerra que, a princípio, não lhe diz respeito?
Há questões pessoais muito interessantes, fantasias, frustrações,
identificação ideológica. O filme
reforça uma visão antibélica. 83 minutos.
Fora de competição, gostei muito do trabalho
de Lauro Escorel, FOTOGRAFAÇÃO, que
aborda um pouco da história da fotografia e dos registros de imagens do Brasil,
até chegar à profusão da fotografação digital dos nossos dias. Uma imagem do nosso país que vai se
constituindo e se modificando traduz a nossa identidade coletiva e nos mostra
quem somos e a solidez do que somos. 76
minutos.
Vi, ainda, o filme MILÚ, de Tarso Araújo e Raphael Erichsen, sobre a figura de Milú
Villela, da alta sociedade, que se reinventa num ativismo surpreendente, na
educação, nas artes e na solidariedade filantrópica. E mostra que seu trabalho tem peso e
importância bem maior do que pode se supor à primeira vista. Fez e faz diferença. 88 minutos.
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