terça-feira, 11 de julho de 2017

KIKI - OS SEGREDOS DO DESEJO


Antonio Carlos Egypto





KIKI – OS SEGREDOS DO DESEJO (Kiki, el amor se hace).  Espanha, 2016.  Direção: Paco León.  Com Natalia de Molina, Ana Katz, Belén Cuesta, Candela Peña, Luis Bermejo, Paco León, Alex García, Luis Callejo.  102 min.


O desejo sexual assume formas e manifestações surpreendentes, inesperadas, bizarras.  Em tempos de uma moral estreita e rígida, baseada na noção de normalidade, as variações sexuais eram chamadas de desvios sexuais e, claro, condenadas.  A partir do momento em que se passou a estudá-las, para além dos julgamentos morais, elas ganharam um nome técnico: parafilias.  Uma forma de desejar que está fora da expectativa ou da norma.  Para vem do grego, significa fora de e filia se refere ao amor.  Ainda implica um problema a ser resolvido, mas agora na esfera da saúde.  É de diversidade que se trata, este um conceito mais aberto e contemporâneo.  E quanta diversidade há neste mundo!

Se você duvida, vá ver “Kiki – Os segredos do desejo”, uma boa comédia espanhola, que explora em seus personagens algumas formas de excitação pouco usuais, como o tesão por gente chorando, dormindo, ao sofrer a violência de um assalto, a atração por plantas ou por tocar em tecidos de seda, para chegar ao orgasmo.  Também estão lá fetiches mais conhecidos, como o dos pés ou do ato de ser urinado, mas nomes como dacrifilia, sonofilia, hifefilia, harpaxofilia, convenhamos, não fazem parte do vocabulário cotidiano, nem dos especialistas da área da sexualidade.

Ao potencializar o mais bizarro e exagerado ou, pelo menos, novidadeiro, o filme de Paco León consegue nos provocar mais e produzir risos.  Quanto mais estranho, melhor, para comprovar a tese de que a diversidade é infinita e todas as formas existentes têm o direito de se expressar e de serem acolhidas na sociedade.  Foi-se o tempo do pecado e da exclusão.  Há que se celebrar essa diversidade toda e, como o filme acaba demonstrando, é possível conviver com isso numa boa e até se dar bem.  Talvez não em todos os casos, há situações arriscadas, perigosas e ilegais.  Mas sempre se pode dar um jeitinho de acomodar as coisas e simbolizar, em vez de concretizar.  Fica até mais rico e divertido.





Há um detalhe a apontar.  “Kiki” inclui personagens com deficiência, de um modo muito positivo, nessa ciranda sexual, sem esforço para ser politicamente correto.  Quando se veem todas as pessoas como seres humanos e como cidadãos plenos de direitos, tudo se torna mais adequado no tratamento das tramas.  Para fazer humor, não é preciso atropelar direitos nem ofender pessoas ou categorias.  Preconceito não tem graça.

“Kiki” vai conquistando público nos cinemas já há algumas semanas e, pelo jeito, se tornará um sucesso da temporada.  Merecido: o filme é inteligente, aberto e bem feito.  A inspiração vem, claro, do conterrâneo Pedro Almodóvar.  O filme não tem nem de longe o requinte da mise-en-scène almodovariana, seus enquadramentos, direção de arte, cenografia, uso das cores e estruturação de roteiro para integrar bem todos os personagens.   Mas é bom o suficiente para nos fazer entender a diversidade, se divertir com ela, respeitá-la e celebrá-la.

Um vasto elenco de maioria bem jovem traz um frescor à narrativa, que torna o filme simpático e envolvente.  O próprio diretor, que é também roteirista e ator do filme, Paco León, tem apenas 42 anos e vem de uma família de artistas.  Tem muito a nos oferecer pela frente.





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