Antonio Carlos
Egypto
CAMPO GRANDE.
Brasil, 2015. Direção: Sandra
Kogut. Com Carla Ribas, Ygor Manoel,
Rayane do Amaral, Júlia Bernat. 109 min.
Em “Campo Grande”, a diretora Sandra Kogut nos coloca
num clima de incertezas e aflição. Desde
a primeira cena até o seu final, não sabemos direito o que está acontecendo,
mesmo depois de nos familiarizarmos com os personagens. Antes disso, a aflição
é maior: surge uma menina pequena, de uns 6 anos de idade, de aparência muito
simples, abandonada pela mãe numa residência de classe média alta, na zona sul
do Rio, em Ipanema. Só vemos a praia,
por duas vezes, por meio de uma fresta entre prédios. Outro menino abandonado aparece, é o irmão um
pouco maior da menina, e ficamos sabendo que sua mãe os orientou a que esperem
por ela naquele lugar. Como assim?
A casa é de Regina (Carla Ribas), que não sabe o que
fazer nessa situação. Mas muita coisa
está acontecendo com ela e com a filha jovem, Lila (Júlia Bernat). O que será?
Percebe-se que o apartamento está sendo desmontado e que o pai não está
mais ali. Supõe-se que houve uma
separação e que vai haver mudança. As
pessoas estão vulneráveis, perdidas.
Lá fora, os ambientes estão cheios de máquinas e
equipamentos, tudo parece em construção ou em reforma, nas proximidades, na
rua. Tudo é provisório, se perde ou se
desintegra. O abandono não é só o das
crianças, é das pessoas, é da própria cidade.
Rayane (Rayane de Amaral) e Ygor (Ygor Manoel) são as
crianças abandonadas, que moram (moravam?) no bairro de Campo Grande. Tem também uma avó na história deles, que
aparece como referência afetiva, mas cuja casa não se localiza. Abrigos de menores, orfanatos, entram na
dança, enquanto a mãe não aparece (aparecerá?).
E quem será? Uma antiga empregada
da casa, talvez.
Vamos montando as peças para o entendimento da
situação, por falas dispersas, sussurradas, banais, indefinidas, fora do
quadro, perguntas sem respostas dos personagens e um constante mal-estar, que
nos mostra algo cifrado, porém, num contexto muito conhecido. São as nossas velhas mazelas, os nossos
problemas sociais crônicos. As
diferenças dos mundos da casa grande e da senzala, que vêm de longe e mudam
basicamente só de casca.
Esse clima indefinido em que as coisas são mostradas
no filme produz a angústia da impotência diante do conhecido, a aflição a que
me referi, alimentada pelo medo e pelas incertezas. Quanto mais bem realizada a sequência, mais
bela a poesia da câmera, mais aflitivo fica.
A cineasta nos conduz para dentro da questão social
com personagens reais, de carne e osso, com os quais compartilhamos uma dor e
uma busca que também é nossa. Fazemos
parte dela e do abandono que envolve cada um dos personagens. As atrizes protagonistas e as crianças,
especialmente o garoto Ygor, enchem de humanidade essa narrativa desafiante
para o espectador. Impossível não se
tocar com o drama insinuado, nunca escancarado, jamais objeto de exploração
emocional. Por isso mesmo, tão
verdadeiro.
Sandra Kogut já havia mostrado grande talento em seu
segundo longa, “Mutum”, de 2007, em que o universo de Guimarães Rosa se
revelava em poesia, beleza e humanidade.
Com “Campo Grande”, ela mostra criatividade ao colocar na sombra, no
intertextual, no não-dito, o nosso drama social.
Vale comentar, também, que moradores de Campo Grande,
um dos mais populosos bairros do Rio, reclamaram junto aos cinemas locais,
exigindo que esse filme, que aborda a realidade do bairro, passasse nos cinemas
de lá, o que não estava previsto de acontecer.
E conseguiram. O povo quer ver
sua realidade expressada no cinema, mas o circuito exibidor não tem
sensibilidade para perceber isso. E tem
outros interesses e compromissos comerciais.
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