domingo, 1 de novembro de 2015

OUTRAS NOTAS SOBRE A 39a. MOSTRA


Antonio Carlos Egypto

-- A origem dos filmes é, inegavelmente, um dos atrativos da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.  Neste ano de 2015, do Quirguistão veio um belo filme:  NÔMADE CELESTIAL, em que uma família de pastores, vivendo em montanhas remotas do país, tem de enfrentar os chamados da cidade e do extinguir inevitável da vida.  E, como é comum acontecer, sobrou para as mulheres de três gerações manter a tradição rural de sua história familiar.  Simplicidade e belas locações garantiram um bom programa.

NÔMADE CELESTIAL

-- Já no caso do Azerbaijão, a decepção foi completa.  O filme JANEIRO SANGRENTO, que pretende exaltar o heroísmo das lutas pela independência frente à União Soviética, é maniqueísta, apelativo e, sobretudo, mal encenado.  E com atuações muito fracas.  É muito erro num filme só.  Pena!

-- Da Croácia veio uma boa realização, O CEIFADOR, escuro e assustador, em todos os sentidos.  Uma mulher, numa estrada escura, fica sem combustível no carro e recebe a ajuda de um agricultor que trabalhava com seu trator à noite e a leva a um posto de gasolina, em lugar isolado.  Em seguida, a convida para um chá em sua casa, bastante deteriorada.  Ecos da guerra ressoam na vida das pessoas, aqui. E o medo nos acompanha em toda a narrativa, que tem elementos inesperados e consequências não previstas.

-- Da Romênia, que tem apresentado bons filmes na Mostra, todos os anos, veio AFERIM, vencedor do Urso de Prata de Direção, em Berlim.  Refere-se a uma Romênia do século XIX, mas parece um mergulho na época medieval, com crendices, demônios e preconceitos adequadamente mostrados numa boa fotografia em preto e branco.  O diretor é Radu Jude, um nome a lembrar.


AFERIM

-- Das Filipinas, o já nosso conhecido e respeitado cineasta, Brillante Mendoza, nos brindou com um filme de alto padrão: ARMADILHA.  A vulnerabilidade da pobreza pode virar tragédia, quando um incêndio consome uma casa-tenda, com quase toda a família morrendo, exceto o homem, seu provedor. Se a isso se agregam desastres naturais, como tempestades e um tsunami a caminho, o que se vê é o quadro mais angustiante e desolador possível.  Uma filmagem bela e envolvente nos gratifica, apesar de toda a desgraça que exibe. 

-- Grandes diretores reaparecem, como é o caso do italiano Ermano Olmi, que dirigiu o inesquecível A ÁRVORE DOS TAMANCOS, em 1978, e A LENDA DO SANTO BEBERRÃO, em 1988, e sumiu da nossa vista.  Pelo menos, da minha.  OS CAMPOS VOLTARÃO, seu filme de 2015, trata de um grupo de soldados na Primeira Guerra Mundial, em meio a fortes nevascas e a um silêncio ensurdecedor, de frente para a trincheira austríaca, vivendo um cotidiano de doenças, do desejo de voltar para casa e da iminência de bombardeios.  Em meio a uma beleza natural de que não podem desfrutar.  Bela fotografia em preto e branco.  Trabalho de mestre, esse filme de Olmi, aos 84 anos de idade.


OS CAMPOS VOLTARÃO

-- TIGRES, do diretor bósnio Danis Tanovic, de TERRA DE NINGUÉM, em 2001, é um filme-denúncia, sobre as formas antiéticas com que multinacionais impõem seus produtos nutricionais e remédios pelo mundo.  No caso concreto tratado aqui, a atuação da Nestlé no Paquistão é objeto de questionamento.  A substituição ou complementação do leite materno associada à água local produz sérios problemas de saúde nos bebês.  Como enfrentar isso?  Quem deve ser responsabilizado, quando as evidências não podem mais ser negadas?:

-- A questão dos imigrantes que tentam chegar à Europa e as mortes que vêm acontecendo atingem uma ilha turística, como a de Lampedusa, na Itália. Muito próxima da África, é uma porta de entrada para os refugiados de guerra, da fome e da opressão.  Conhecemos não só esse problema como os da sobrevivência da pequena comunidade local, quando sua balsa é destruída pelo fogo, pescadores brigam por novo barco, registra-se uma greve.  Tudo isso no inverno, dominado pela ausência dos turistas.  LAMPEDUSA NO INVERNO é um documentário que mostra tudo isso e também a bela ilha siciliana, indicando até nos créditos finais o melhor período para visitá-la.  Assunto sério e difusão turística.  Por que não? O cinema é um bom meio de se conhecer muitos lugares.  Ou de se ser estimulado a ir vê-los ao vivo.

LIVRO DA MOSTRA




A Mostra lançou o livro “Memórias do Cinema – Um Idioma Universal”, resgatando os encontros realizados nos anos de 2013 e 2014, que reuniram muitos depoimentos sobre o cinema na vida de cada um, com ênfase no elemento afetivo da memória.  Já li alguns dos depoimentos e todos me agradaram e me interessaram muito: os dos cineastas Jia Zhang-Ke, da China, e Walter Salles e os dos jornalistas e críticos Cássio Starling Carlos e Maria do Rosário Caetano.  Para quem gosta de cinema, uma leitura muito gostosa e agradável, com a qual é possível se identificar em muitos pontos.  A organização do livro, como da Mostra, é de Renata de Almeida.

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