Antonio
Carlos Egypto
-- A origem dos filmes é, inegavelmente, um
dos atrativos da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Neste ano de 2015, do Quirguistão veio um
belo filme: NÔMADE CELESTIAL, em que uma
família de pastores, vivendo em montanhas remotas do país, tem de enfrentar os
chamados da cidade e do extinguir inevitável da vida. E, como é comum acontecer, sobrou para as
mulheres de três gerações manter a tradição rural de sua história
familiar. Simplicidade e belas locações
garantiram um bom programa.
NÔMADE CELESTIAL |
-- Já no caso do Azerbaijão, a decepção foi
completa. O filme JANEIRO SANGRENTO, que
pretende exaltar o heroísmo das lutas pela independência frente à União
Soviética, é maniqueísta, apelativo e, sobretudo, mal encenado. E com atuações muito fracas. É muito erro num filme só. Pena!
-- Da Croácia veio uma boa realização, O
CEIFADOR, escuro e assustador, em todos os sentidos. Uma mulher, numa estrada escura, fica sem
combustível no carro e recebe a ajuda de um agricultor que trabalhava com seu
trator à noite e a leva a um posto de gasolina, em lugar isolado. Em seguida, a convida para um chá em sua
casa, bastante deteriorada. Ecos da
guerra ressoam na vida das pessoas, aqui. E o medo nos acompanha em toda a
narrativa, que tem elementos inesperados e consequências não previstas.
-- Da Romênia, que tem apresentado bons filmes
na Mostra, todos os anos, veio AFERIM, vencedor do Urso de Prata de Direção, em
Berlim. Refere-se a uma Romênia do
século XIX, mas parece um mergulho na época medieval, com crendices, demônios e
preconceitos adequadamente mostrados numa boa fotografia em preto e
branco. O diretor é Radu Jude, um nome a
lembrar.
AFERIM |
-- Das Filipinas, o já nosso conhecido e
respeitado cineasta, Brillante Mendoza, nos brindou com um filme de alto
padrão: ARMADILHA. A vulnerabilidade da
pobreza pode virar tragédia, quando um incêndio consome uma casa-tenda, com
quase toda a família morrendo, exceto o homem, seu provedor. Se a isso se
agregam desastres naturais, como tempestades e um tsunami a caminho, o que se
vê é o quadro mais angustiante e desolador possível. Uma filmagem bela e envolvente nos gratifica,
apesar de toda a desgraça que exibe.
-- Grandes diretores reaparecem, como é o caso
do italiano Ermano Olmi, que dirigiu o inesquecível A ÁRVORE DOS TAMANCOS, em
1978, e A LENDA DO SANTO BEBERRÃO, em 1988, e sumiu da nossa vista. Pelo menos, da minha. OS CAMPOS VOLTARÃO, seu filme de 2015, trata
de um grupo de soldados na Primeira Guerra Mundial, em meio a fortes nevascas e
a um silêncio ensurdecedor, de frente para a trincheira austríaca, vivendo um
cotidiano de doenças, do desejo de voltar para casa e da iminência de bombardeios. Em meio a uma beleza natural de que não podem
desfrutar. Bela fotografia em preto e
branco. Trabalho de mestre, esse filme
de Olmi, aos 84 anos de idade.
OS CAMPOS VOLTARÃO |
-- TIGRES, do diretor bósnio Danis Tanovic, de
TERRA DE NINGUÉM, em 2001, é um filme-denúncia, sobre as formas antiéticas com
que multinacionais impõem seus produtos nutricionais e remédios pelo
mundo. No caso concreto tratado aqui, a
atuação da Nestlé no Paquistão é objeto de questionamento. A substituição ou complementação do leite
materno associada à água local produz sérios problemas de saúde nos bebês. Como enfrentar isso? Quem deve ser responsabilizado, quando as
evidências não podem mais ser negadas?:
-- A questão dos imigrantes que tentam chegar
à Europa e as mortes que vêm acontecendo atingem uma ilha turística, como a de
Lampedusa, na Itália. Muito próxima da África, é uma porta de entrada para os
refugiados de guerra, da fome e da opressão.
Conhecemos não só esse problema como os da sobrevivência da pequena
comunidade local, quando sua balsa é destruída pelo fogo, pescadores brigam por
novo barco, registra-se uma greve. Tudo
isso no inverno, dominado pela ausência dos turistas. LAMPEDUSA NO INVERNO é um documentário que
mostra tudo isso e também a bela ilha siciliana, indicando até nos créditos
finais o melhor período para visitá-la.
Assunto sério e difusão turística.
Por que não? O cinema é um bom meio de se conhecer muitos lugares. Ou de se ser estimulado a ir vê-los ao vivo.
LIVRO
DA MOSTRA
A Mostra lançou o livro “Memórias do Cinema –
Um Idioma Universal”, resgatando os encontros realizados nos anos de 2013 e
2014, que reuniram muitos depoimentos sobre o cinema na vida de cada um, com
ênfase no elemento afetivo da memória.
Já li alguns dos depoimentos e todos me agradaram e me interessaram
muito: os dos cineastas Jia Zhang-Ke, da China, e Walter Salles e os dos
jornalistas e críticos Cássio Starling Carlos e Maria do Rosário Caetano. Para quem gosta de cinema, uma leitura muito
gostosa e agradável, com a qual é possível se identificar em muitos
pontos. A organização do livro, como da
Mostra, é de Renata de Almeida.
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