Antonio
Carlos Egypto
O HOMEM DAS MULTIDÕES. Brasil, 2013.
Direção e roteiro: Cao Guimarães e Marcelo Gomes. Com Paulo André, Sílvia Lourenço, Jean-Claude
Bernadet. 95 min.
“O Homem das Multidões”, ou melhor, o homem solitário
em meio à multidão. Que caminha só, no
mar de gente que circula pelas plataformas urbanas de trens. Que caminha junto aos trens e aos seus
trilhos. Que entra no trem. Que observa do alto a passagem dos
trens. Sua vida parece se resumir aos
trens.
Esse homem é Juvenal (Paulo André), maquinista de
metrô em Belo Horizonte. Vive e mora só
e cumpre bem sua função no trabalho.
Relaciona-se na função com Margô (Sílvia Lourenço), controladora do
fluxo dos trens. Há mais silêncios do
que contatos verbais nessa relação.
Margô está para se casar, põe convite para seu
casamento na oficina de trabalho. Mas é
igualmente uma mulher solitária. O
casamento resultou de um site de
relacionamentos na Internet, em que encontrou o perfil ideal para ela. E, supõe-se, valha o mesmo para o consorte. Relacionamentos
virtuais se complicam quando passam para o mundo real. Coisas prosaicas, como ter um padrinho, podem
se tornar um problema, porque aí não valem as categorias utilizadas pelas redes
sociais. Amigos não se obtêm com um
toque.
É dessa substância reflexiva - solidão, isolamento,
incomunicabilidade, virtualidade - no esgarçado tecido urbano das grandes
cidades, que se nutre o filme de Marcelo Gomes e Cao Guimarães.
Há muita beleza nas imagens que eles produzem, nos
enquadramentos expressivos, que dizem muito, nos tons esmaecidos, sem vida,
que compõem com precisão a forma que relata o que experimentam os
personagens. Mas há outro fator que é
ainda mais marcante: a redução intencional da imagem.
Quando a projeção começa, você vê que o filme ocupa pouco
mais do que o terço central da tela do cinema.
Quase dois terços estão vazios, há espaço semelhante ao projetado, tanto
à direita, quanto à esquerda. E mais: o
tamanho da tela parece pequeno para o que se quer mostrar. As coisas estão espremidas na imagem, pessoas
que interagem ficam fora do quadro, às vezes, ou alguém cobre parte do quadro,
como que a mostrar que o resto da tela que não está sendo usado faz falta. O mundo se apequena, se espreme, se
reduz. As possibilidades humanas de
viver estão limitadas pela solidão profunda em meio à multidão. Isso está na utilização da tela, tanto quanto
ou mais do que nas cenas mostradas.
A redução da existência incomoda, prende, limita
também o espectador. O tempo custa a
passar, dá vontade de sair dali, respirar com desenvoltura, ocupar o espaço e
interagir com os outros. Sair do sufoco.
Como se pode ver, o filme incomoda porque é muito bem
feito, atinge seus objetivos.
Certamente, não diverte. É um
filme experimental, que está buscando outras coisas. E explorando as múltiplas
possibilidades da linguagem cinematográfica.
O trabalho do pernambucano Marcelo Gomes e seus
parceiros, no caso, aqui, o mineiro Cao Guimarães, tem sido marcado pela busca
de renovação dessa linguagem, como atestam filmes como “Cinema, Aspirinas e
Urubus”, de 2005, e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, de 2009,
trabalhos indispensáveis para quem quer apreciar o que de melhor se fez no
cinema brasileiro, nos últimos anos.
“Era Uma Vez Eu, Verônica” (veja crítica publicada aqui, em novembro de
2012), embora menos inovador, é um trabalho igualmente denso e
consistente. “O Homem das Multidões” é
um filme que merece toda a atenção, embora se dirija a um público restrito, por
sua concepção.
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