segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS

Antonio Carlos Egypto


VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS (You will meet a tall dark stranger). Estados Unidos, 2010. Roteiro e direção: Woody Allen. Com Gemma Jones, Anthony Hopkins, Rupert Frazer, Naomi Watts, Josh Brolin, Freida Pinto, Antonio Banderas. 98 min.

O que se pode dizer sobre o novo filme de Woody Allen? Não muita coisa nova que já não tenha sido apontada na sua obra cinematográfica, que tem reconhecidamente grande importância e densidade.

Na obra de Woody Allen a vida é complexa e improgramável. Impossível prevê-la ou controlá-la. Tudo sai diferente do que se planeja, as coisas não se dão linearmente. E é comum começar a narrativa dramática de qualquer ponto e interrompê-la também a qualquer momento. A vida sempre seguirá seu rumo. Não necessariamente em direção a um “happy end”, mas também sem vaticínios catastróficos ou pessimistas. Em outras palavras, a vida é, e basta.

Os seres humanos têm de lidar com suas expectativas, fantasias, frustrações, desencontros, solidão. Geralmente estão em busca da felicidade, ou da ilusão dela. Enganando-se a si próprios para poderem suportar as vicissitudes da vida. Construindo crenças ou comportamentos, por vezes estranhos ou exóticos, para conviverem com suas neuroses e com os surpreendentes caminhos do inconsciente.

Os personagens dos filmes de Woody Allen são gente comum, geralmente de classe média ou alta, querendo encontrar o amor, o sucesso profissional e o reconhecimento. O que todo mundo procura alcançar, de um modo ou de outro. E como isso é fácil de falar, mas difícil de conseguir, os fracassos, enganos e impossibilidades acabam sendo a principal matéria-prima da sua obra. Sempre regada a diálogos inteligentes e bem humorados e música da melhor qualidade e extremo bom gosto.

“Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” não é nada diferente de tudo isso, embora o título em português possa sugerir outra coisa. No original, trata-se apenas de um estranho, alto e moreno. Uma surpresa, talvez, mas não propriamente um sonho, uma idealização. E uma das protagonistas dessa história é uma mulher que esteve casada por 40 anos, e seu marido a abandonou. A inevitável crise daí advinda pode ser aplacada pela crença numa vidente que prevê o futuro, sempre bom para ela, e em que um novo amor se encaixará. A crença cega na vidente determinará os rumos da história, não só dela, mas dos outros personagens, envolvidos com ela, como o ex-marido e a filha, também em crise no seu próprio casamento e com projetos de ter uma galeria de arte própria. O genro, que estudou medicina, mas tenta ser um escritor de sucesso, está indo ladeira abaixo, depende da sogra e, portanto, também será afetado pelas tais previsões. E, ao contrário do que a vidente afirma, nada será previsível ou estará sob controle, apesar de grande parte das previsões aparentemente se confirmar.

O que o diretor explora é a influência que essa crença cega pode produzir na própria vida e na dos outros, com o cuidado de não maximizar sua importância. Há outras crenças que movem a narrativa, como a do ex-marido, já idoso, que acredita poder bancar um novo casamento com uma garota de programa com seu dinheiro, Viagra e alguns músculos. Ou a do livreiro que, em sessões espíritas, espera obter a aprovação da mulher morta para um novo relacionamento. Ou, ainda, a crença do escritor de poder se realizar profissionalmente com o talento de outro.

De amores imaginados, não correspondidos, ultrapassados pelo tempo ou já irremediavelmente desgastados também se compõe a trama. E de desejos que também podem iludir. Afinal, a ilusão é, muitas vezes, o motor de nossas ações. Sem ela, poderíamos nos entregar à depressão. No que tudo isso vai dar, não sabemos. Mas vamos tocar o barco assim mesmo. O que será, será!

“Você vai conhecer o homem dos seus sonhos” não tem Woody Allen como ator. Tem Anthony Hopkins e Antonio Banderas, Naomi Watts e outros em papéis sem glamour hollywoodiano ou espetacularização. Todos vivendo pessoas comuns e dramas reconhecíveis, com quem podemos cruzar em qualquer lugar e a qualquer momento. O cinema de Woody Allen sempre se alimentou de humanidade, não de mero espetáculo. Por isso mesmo, andou tendo dificuldade nos últimos anos para conseguir financiamento para os seus pequenos grandes filmes, sobretudo nos Estados Unidos. Ainda bem que ele acaba conseguindo dar continuidade aos seus trabalhos no cinema que, com inspiração maior ou menor, são sempre bons.

Nenhum comentário:

Postar um comentário