Assisti a 49 filmes da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que terminou há poucos dias. Para um universo de mais de 400 filmes, é pouco mais de 10%. Certamente, vi alguns filmes perfeitamente dispensáveis e deixei de ver outros, mais importantes. A programação distribuída em muitas salas e horários que abrangem quase o dia todo, de meio-dia a meia-noite, torna isso inevitável.
De qualquer modo, posso apontar aqui algumas das coisas de que mais gostei. Algumas delas vão passar no circuito comercial, ainda que possa demorar um ano ou mais, em alguns casos. Outras, nunca passarão, mas podem aparecer em mostras temáticas ou retrospectivas que pululam ao longo do ano, nos cinemas dos grandes centros urbanos.
O principal destaque para mim foi NOSTALGIA DA LUZ, do diretor chileno Patrício Guzmán, responsável também pela antológica trilogia de documentários A BATALHA DO CHILE, um retrato impressionante do processo político chileno sob Allende, até o bombardeio do Palácio de la Moneda e a morte do presidente. Agora, em NOSTALGIA DA LUZ, ele se concentra no deserto de Atacama, onde equipamentos de última geração permitem a astrônomos do mundo inteiro a observação de estrelas, de galáxias distantes e dos limites do universo. O céu translúcido do deserto é favorável a isso. Por outro lado, o calor forte e seco ajuda a conservar cadáveres humanos e ali estão espalhados pelo amplo terreno inúmeros prisioneiros políticos da ditadura de Pinochet. Os familiares desses “desaparecidos” estão em busca de ossadas que possam identificá-los, para poderem viver e dormir em paz, enterrando seus mortos adequadamente. Uma busca que, em muitos aspectos, se assemelha à dos astrônomos: tão difícil quanto, mas muito dolorida. Com esse mote, Guzmán faz um filme notável, belíssimo e politicamente forte. Das melhores coisas que vi no cinema nos últimos tempos.
Gostei também de um moderno e importante filme inglês que discute juventude, aventura, amizade e morte: TERCEIRA ESTRELA, longa de estreia de Hattie Dalton, e do novo filme de Manoel de Oliveira, aos 102 anos, com direito a voos e efeitos especiais, a partir da foto da morta que sorri só para o fotógrafo: O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA. Ótimo!
Também valeu a pena ver dois filmes russos, COMO EU TERMINEI ESTE VERÃO e ALMAS SILENCIOSAS, e o filme da Bósnia, UM OUTRO CAMINHO, este sobre a religiosidade islâmica, levada a ferro e fogo, o que inviabiliza uma relação amorosa. Um filme italiano sem diálogos, AS QUATRO VOLTAS, mostra as possibilidades que o cinema tem e que muitas vezes são mal aproveitadas.
O vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2010, TIO BOONMEE, QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS, também é cinema de primeira, mas mais difícil de ser assimilado e aceito, porque rompe paradigmas. É preciso ver deixando de lado as expectativas usuais.
Dos escandinavos, destacaria o sueco BEYOND e o dinamarquês WATER EASY REACH. E, ainda, a comédia da Finlândia, O CIÚME MORA AO LADO, de Mika Kaurismaki, que funciona bem e deve entrar em cartaz brevemente em São Paulo. Da China, MEMÓRIAS DE XANGAI, de Jia Zhang-Ke, um retrato histórico da cidade de Xangai e do país, constrastando com a atualidade, e um épico espetáculo de humor, UMA MULHER, UMA ARMA E UMA LOJA DE MACARRÃO, do já consagrado Zhang Yimou. Do Japão, destaque para o filme de Kore-Eda, AIR DOLL (Boneca Inflável), uma fantasia graciosa e inteligente. Há ainda um bom filme do Quirguistão, O LADRÃO DE LUZ. E o novo e original filme do grande diretor iraniano Abbas Kiarostami, agora filmando fora de seu país de origem: CÓPIA FIEL.
Por último, uma curiosidade: o filme francês COPACABANA, todo calcado numa imagem positiva do Brasil e principalmente de sua música, é boa diversão, com uma atriz do porte de Isabelle Hupert.
Um registro final: vários filmes com cópias digitais, ou mesmo em DVD, não fazem jus à qualidade que se espera da Mostra. As projeções e o atendimento ao público nos cinemas do Arteplex Frei Caneca deixaram a desejar. Acho que o gigantismo está atrapalhando a Mostra. Para que programar mais de 400 filmes? Há tanto filme bom, assim, todo ano? E adianta projetar bons filmes com má qualidade de imagem? Por que não selecionar melhor, reduzir a quantidade de filmes e investir mais nas cópias, na projeção e no atendimento qualificado aos cinéfilos? Todos teríamos a ganhar com isso.
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