Antonio Carlos Egypto
GRANDE
SERTÃO. Brasil, 2024. Direção: Guel Arraes. Roteiro: Guel Arraes e Jorge Furtado. Elenco: Caio Blat, Luísa Arraes, Luís
Miranda, Rodrigo Lombardi, Eduardo Sterblitch. 116 min.
Encarar
a adaptação cinematográfica de uma obra literária do porte de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães
Rosa, implica um desafio imenso.
Trata-se de um livro tão renovador na linguagem, na compreensão de
figuras humanas complexas marcadas por sua terra, seus valores, suas crenças,
formando um universo próprio, com personagens tão fortes, que é muito fácil se
perder pelo caminho.
Guel
Arraes, o diretor, e Jorge Furtado, dois grandes talentos do cinema brasileiro,
fizeram essa adaptação como uma releitura, num roteiro que procurou trazer todo
o universo do autor para o momento atual.
Não
mais a vida rural, jagunços, cangaceiros, mas bandidos organizados e a polícia,
um enfrentamento que produz uma guerra civil não declarada e cujas intenções nem
são claramente perceptíveis, entram em seu lugar. A guerra é outra, mais ampla e generalizada,
ocupando as periferias das grandes cidades e muitos outros espaços. O grande sertão agora é aqui.
Lá
estão os personagens icônicos de Guimarães Rosa, Riobaldo (Caio Blat), Diadorim
(Luísa Arraes), Zé Bebelo (Luís Miranda), Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi),
Hermógenes (Eduardo Sterblitch) e outros, vivendo em plena guerra urbana dos
nossos dias, ainda que sem contextualização específica, de lugar ou época.
O amor
que nasce desde a meninice entre Riobaldo e Diadorim está lá, crescendo,
desconcertando Riobaldo e acabando por levá-lo a associar-se ao banditismo por
amor. E, então, o filme vai caminhando
para ser um espetáculo de ação, muito bem filmado, mas bastante violento,
também. Quem narra tudo são as memórias
de Riobaldo, quando velho, o que levou Caio Blat a envergar uma barba imensa,
preta, não branca. É da percepção dos
seus sentidos e sentimentos que se move a história, que ele vai narrando,
comentando. É aí que a inspiração
poética de Rosa se faz presente. As
falas do personagem Riobaldo, magnificamente vivido por Caio Blat ao longo de
todo o filme, ganham especial expressão e inovam na narração cinematográfica, a
exemplo do livro.
A
questão de gênero colocada nessa relação de Riobaldo com Diadorim deu margem a
um desempenho muito intenso de Luísa Arraes, envergando uma dimensão de força e
coragem, habitualmente associada ao lado masculino, que é bem marcante.
Aliás,
o elenco todo está afinado. O policial
“do bem”, que ficou sendo o Zé Bebelo de Luís Miranda, é muito convincente,
assim como o comandante do grupo de bandidos, vivido por Rodrigo Lombardi, e a
incrível caracterização do bandidão tresloucado Hermógenes, vivido por Eduardo
Sterblitch, surpreende positivamente.
É
importante pontuar que bandidos ou policiais “do bem”, assim como bandido que
assim se torna por amor a outro, dão uma dimensão que quebra toda a expectativa
de bem e mal, mocinho e bandido, em que pese a desgraça dessa guerra urbana
atual. É possível compreender o outro
lado das coisas, sejam elas ações baseadas na sobrevivência, na lei, no
confronto de interesses ou na paixão?
O filme
é, nesse sentido, bastante sintonizado com a obra que lhe deu origem. É tão complexo quanto e tão poético
quanto. A violência que sobressai na
adaptação cinematográfica, a meu ver, foi excessiva.
Depois dessa apresentação o jeito é assistir. Obrigada.
ResponderExcluir