Antonio Carlos Egypto
OS
REJEITADOS (The Holdovers). EUA, 2023. Direção: Alexander Payne. Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da’vine
Joy Randolph, Carrie Preston. 134 min.
“Os
Rejeitados” trata da questão educacional em forma de comédia, buscando uma
reflexão bastante interessante sobre a humanização do processo de
ensino-aprendizagem e especialmente das estruturas escolares. O contexto é o de um internato nos anos 1970,
no interior dos Estados Unidos, em que alguns alunos devem permanecer durante o
período de festas natalinas e de ano novo, com um dos professores que deve
acompanhá-los didaticamente e como protetor. Os alunos, por razões de desempenho ou de
família, são os rejeitados. O professor,
igualmente, foi escolhido como uma espécie de punição, já que é bastante
impopular, tanto junto aos alunos quanto junto ao corpo docente. Somente a cozinheira-chefe da escola, que os
acompanhará, está em situação distinta, vivendo um luto pela perda do filho
jovem na guerra do Vietnã. No final das
contas, a trama afunila para o professor, um aluno dito problemático e a
cozinheira. É a partir daí que o
universo escolar, seus julgamentos, avaliações e a relevância do que ensina serão
postos em cheque. No começo, tudo parece
um tanto caricato, antiquado e valendo-se de clichês. Mas, com a evolução dos fatos, as coisas vão
mudando substancialmente e nos trazem para a vida real das pessoas e para além
dos papéis, das diferenças de status, de geração, de gênero, de raça ou de
classe. Aí, sim, “Os Rejeitados” ganha
musculatura e reveste-se de humanismo. O
diretor, Alexander Payne, de “Nebraska” (2013), parece pôr todos os obstáculos
e dificuldades à frente do que é essencial e que se revelará depois de muita
água passando pela ponte, Em “Nebraska” a estrutura é semelhante. Mas o encanto
acontece, nos dois casos. O elenco de
“Os Rejeitados” tem o ótimo Paul Giamatti no papel do professor Paul Hunham e
se mostra um livro aberto no que toca à vida do seu personagem e de suas
emoções, embora acredite que engana seus alunos e convivas em geral. Dominque Sessa faz o personagem Angus, o
aluno problema que, na verdade, é ativo, inteligente, perspicaz e rebelde, no
caso com causa. O ator é muito
bom, embora seja mais velho do que o papel que pretende representar. Tanto que
a gente estranha quando lhe é negado o direito à bebida alcoólica, por ser
menor de 18 anos. Da’vine Joy Randolph é
outro grande destaque do filme. Ela faz Mary Lamb, a cozinheira boa gente, com
expressividade, na medida certa para cada cena.
E é bastante exigida emocionalmente, em todas as variações de sua
participação na trama. O filme é um dos indicados ao Oscar 2024.
Também estão
entrando em cartaz nos cinemas dois outros filmes que vale a pena mencionar.
AS BESTAS, filme espanhol, de 2022, premiado
com Goyas, dirigido por Rodrigo Sorogoyen, é um drama e suspense que traz um
ponto de partida provocador. Um casal de franceses maduros, por circunstâncias
aleatórias, decide se estabelecer como agricultores orgânicos numa aldeia
espanhola. Com toda a boa intenção do
mundo e em busca de paz e concórdia. Mas
encontra o oposto: hostilidade e guerra.
Ocorre que os objetivos deles colidem com as expectativas da comunidade,
que deseja obter dinheiro suficiente para partir dali, deixando o espaço para
os aparatos da energia eólica.
Compreensível e politicamente aceitável, claro. Em todo caso, a evolução da história será,
como já seria presumível de imediato, trágica. E a segunda parte do filme surpreende
pela ruptura que produz. No entanto, um
elemento de cena, a filmagem para registrar agressões, denunciar e se proteger
perante a lei, antecipa o que esperar do final, irremediavelmente. Bem previsível, mas não tira o prazer de
usufruir do filme. Elenco: Denis
Ménochet, Marina Fois, Luís Zahera, Diego Anido, Marie Colomb. 137 min.
E, por fim,
um documentário brasileiro que merece nossa atenção pelo que revela de forma
muito clara: a abolição da escravidão ainda não se processou de fato, embora
tenha sido formalmente decidida ainda no século XIX. SERVIDÃO,
dirigido por Renato Barbieri, mostra condições de trabalho análogas à
escravidão existindo fartamente no Brasil do século XXI. Apesar de contar com uma legislação adequada
e moderna sobre o tema, a realidade no campo e na cidade, na Amazônia e no
Brasil profundo como um todo, revela as pessoas vivendo sob o jugo de uma
mentalidade colonial, escravista, opressora e exploradora. Alimentada por grilagens, pelo grande latifúndio
e por mecanismos políticos e econômicos que a perpetuam. O filme também trata dos caminhos de
resistência e mudança que existem em torno desse assunto. Narração da artista Negra Li. 73 min.
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