Antonio Carlos Egypto
A SOCIEDADE DA NEVE (La Sociedad de la Nieve), Espanha,
2023. Direção: J. A. Bayona. Elenco: Enzo Vogrincic, Simon Hempe, Augustín
Pardella, Matias Recalt, Rafael Federman. 145 min.
“A
Sociedade da Neve” retoma a história do trágico acidente que envolveu o voo 571
da Força Aérea Uruguaia, que levava a seleção uruguaia de rúgbi ao Chile, em
1972. O acidente ficou famoso na época
pelas circunstâncias trágicas que o cercaram e pela sobrevivência quase
impossível daqueles jovens, entre outros passageiros, que com a queda do avião
foram forçados a viver num dos ambientes mais inóspitos e isolados do mundo, a
Cordilheira dos Andes, na neve. A retomada
dessa história real se dá agora, a partir do livro escrito por Pablo Vierci, em
2008, com o mesmo título do filme. Dos
45 passageiros, somente 29 sobreviveram de imediato. Ao longo dos meses passados,
surpreendentemente, 16 ainda conseguiam sobreviver, até que pudesse ocorrer o
resgate. O que tiveram que fazer para se
manterem vivos, quem não sabe do caso, pode imaginar. O filme narra a sequência do longo período em
que esse grupo sobrevivente, que ia perdendo elementos também, se manteve, suas
ações, decisões, desespero dentro do que restou do avião e frente às
tempestades de gelo e tudo o mais. O
filme explora também o relacionamento que se dá entre eles nessa situação
extrema, a sociedade que se estabelece ali.
É o que se denomina de filme
catástrofe. Mas pretendendo-se
rigorosamente real. Um dos sobreviventes
verdadeiros até representou o papel de seu próprio pai no filme, no caso,
Carlitos Páez. O que havia para mostrar
era também inevitavelmente escandaloso e arrasador. O filme consegue, no entanto, fazer isso com
sutileza, pelos menos, até certo ponto.
Era difícil, reconheço, contar os fatos sem cair no sensacionalismo e
sem moralismos. O resultado pode não ser
agradável, claro, mas é palatável. E
coloca questões claramente em discussão, questões obviamente de vida e de morte,
o tempo todo. Sobreviver, em algumas
circunstâncias, é um desafio sobre-humano, que tem um alto custo. Isso o filme explora corretamente, eu diria,
até minuciosamente, mas com cuidado. Do
contrário, não daria para aguentar.
Seria um produto de horror puro e simples. Uma curiosidade: o filme se vale de um
narrador, um dos personagens, que vai relatando o que se faz e como ele vê e
participa dos fatos, seus próprios sentimentos, medos, dúvidas e sua deterioração
física. Ele morre um pouco antes de que
o filme termine. O final, portanto, é
necessariamente coletivo. Uma solução,
embora estranha, razoável. “A Sociedade
da Neve” é uma produção Netflix que tem seu lançamento nos cinemas agora.
ALMAS GÊMEAS (Les Âmes Soeurs), França, 2023.
Direção: André Téchiné. Elenco: Noémie
Merlant, Benjamin Voisin, Audrey Dana, André Marcon. 100 min.
A
narrativa do novo filme de André Téchiné ( de “Rosas Selvagens”, 1994 e “As
Testemunhas”, 2007), “Almas Gêmeas”, discute o papel da amnésia na vida de um
personagem jovem. David (Benjamin
Voisin), um tenente do exército francês no Mali, é seriamente ferido, mas o que
resta lesionado, depois de um duro tratamento e da acolhida emocional da irmã
nesse período, é a amnésia. Que parece
resistir por muito tempo. Ele vive uma
nova vida, dispensando o passado, sem querer saber dele, incomodando-se com
isso. Apenas a retomada de algumas
habilidades, como nadar e andar de moto, lhe parecem atraentes. E o dia-a-dia ao lado da irmã, num belo lugar
de natureza, um tanto isolado, parece contentá-lo. Jeanne (Noémie Merlant) demonstra uma
dedicação excepcional ao irmão, parecendo ocupar o lugar da mãe que eles não
têm. No entanto, ela se empenha em
trazê-lo de volta, incorporando o passado que ele rejeita. Ela busca um relacionamento mais profundo e
verdadeiro, que não pode dispensar a memória.
Sentimentos reprimidos virão à tona, na medida em que os fatos sejam
recordados. Algo que ficou intocado terá
de ser encarado. Os personagens vão se
desvelando em cena e é muito fácil para o espectador se envolver na história,
não só pelo enigma, mas pela própria questão do que significa a ausência de
memória, a negação do passado. O que somos
nós sem identidade, sem passado, ainda que o presente possa parecer
suficiente? Isso vale o filme. Muito bem conduzido com delicadeza e
sutileza, contando com uma atriz e um ator jovens muito talentosos, que
valorizam seus personagens e transmitem as nuances de suas vivências de forma
muito convincente. O filme foi exibido
no Festival Varilux do Cinema Francês, antes de entrar no circuito comercial.
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