quinta-feira, 26 de outubro de 2023

4 DESTAQUES DA # 47 MOSTRA

Antonio Carlos Egypto

 

Aí vão quatro destaques, de grandes diretores, da perspectiva internacional, que estão na # 47 Mostra.

 


ERVAS SECAS (Kuru Otlar Üstüne), da Turquia, tem direção de Nuri Bilge Ceylan.  O cineasta é muito respeitado, admirado pelos cinéfilos pelo trabalho de alta qualidade que desenvolve. É só lembrar de “Climas” (2006), “Era uma Vez em Anatólia” (2011), “Sono de Inverno” (2014) e “A Árvore dos Frutos Selvagens” (2018). Em ERVAS SECAS, personagens bem representativos aparecem.  Como um professor de cidade pequena, a escola onde atua, os alunos, os pais, os colegas e a burocracia, que dificultam uma existência mais livre e criativa.  Onde um erro pode pesar muito e as relações de poder podem se dar por coisas menores, comezinhas.  O ciúme, a maledicência, as simulações, correm soltos.  Uma mulher bonita e inteligente precisa vencer não só o machismo e os preconceitos de gênero como os das pessoas com alguma deficiência, que é o caso dela. Tanto naquilo que envolve a visão de mundo e as ideologias, quanto na manifestação humanística da aceitação, da compreensão e da solidariedade.  As coisas são difíceis.  Ao longo de mais de 3 horas brilhantemente conduzidas, o filme flui em consistência e beleza.  A sequência inicial nos remete à neve que se alastra no local, ocupa toda a tela, exceto por um transporte coletivo visto lá atrás e alguém que vem à frente, aos poucos, já dá toda a dimensão do filme.  Essa neve, esse branco, esse frio, representam as relações humanas que não florescem, não se aquecem, não se colorem.  Fora do inverno, vigoram as ervas descoloridas. Desprezíveis, desinteressantes, sem brilho.  E... secas.  Neste sentido, o filme é realística e simbolicamente pessimista.  A fotografia nos filmes de Ceylan é sempre um espetáculo à parte.  Os enquadramentos perfeitos e as paisagens turcas escolhidas são primorosos.  Na sessão a que assisti no Cine Itaú Augusta, sala 1, a qualidade da projeção, escurecida, prejudicou a fruição dessa fotografia.  Ainda assim, foi uma experiência muito gratificante.  197 minutos.

 


A canção Fallen Leaves dá nome e serve de inspiração ao filme FOLHAS DE OUTONO (Kuolleet Lehdet), da Finlândia.  A direção é do experiente e talentoso Aki Kaurismaki, que já teve filmes exibidos na Mostra em pelo menos 15 edições diferentes.  Ele e seu irmão Mika puseram a Finlândia no mapa do cinema.  Neste filme, como em tantos outros anteriores, os deserdados da sorte ocupam o primeiro plano.  São solitários, desajeitados, estranhos, invariavelmente há abuso de álcool, falta de dinheiro e de emprego decente.  No entanto, o clima não é dramático, é tragicômico.  A gente ri, tem pena, dá raiva da imbecilidade de alguém ou algo nos surpreende.  As múltiplas referências ao cinema e a filmes significativos para sua história fazem a alegria e a distração dos cinéfilos.  O humor e a leveza no trato das situações, muitas vezes dramáticas, dão o tom de FOLHAS DE OUTONO.  O clima de profunda estranheza e atitudes inusitadas é uma marca característica do cineasta.  A gente sai do cinema em alto astral.  81 minutos.

 


AFIRE (Roter Himmel), que poderá se chamar “Céu Vermelho”, “Em Chamas” ou algo similar, no Brasil, quando entrar no circuito comercial dos cinemas, depois da Mostra, é o novo e muito interessante trabalho do diretor alemão Christian Petzold.  O ponto de partida e referência ao que acontece com as pessoas é a queimada de florestas no calor e nos dias secos.  O fogo rodeia os jovens que estão convivendo numa casa de férias junto ao mar Báltico.  Um deles insiste em que está lá a trabalho, mas sua postura defensiva, sempre desconfiada e pouco sociável, não tem a ver com isso, mas com os sentimentos e desejos que florescem entre eles.  Dois outros se conhecem, se tornam amigos, se aproximam um do outro.  E uma jovem no meio deles parece equilibrar habilidades, razão e emoção.  Embora a juventude e a busca de felicidade deem o tom dos relacionamentos, eles parecem, na verdade, regidos pelo fogo e pela destruição.  Muito oportuna essa associação, num tempo em que as florestas, pequenas ou grandes, importam tanto.  Não só a Amazônia.  É um tempo em que as relações amorosas jovens ganham novos contornos, mais flexíveis e mutantes, embora flertem com o perigo e com a morte, em muitos aspectos.  Estamos em risco, nós e o planeta.  102 minutos.

 


O MAL NÃO EXISTE (Aku Wa Sonzai Shinai) é o novo filme de Ryusuke Hamaguchi, do Japão, que está na # 47 Mostra. Quem viu “Drive My Car”, um filme espetacular, e também “Roda do Destino”, sabe que se trata de um talento indiscutível de cineasta.  Daí ser imperativo conhecer seu novo filme. Só que O MAL NÃO EXISTE nos prega uma grande peça.  O filme é hermético, no sentido de incompreensível.  Não está nas imagens, nem nas falas, nem no inexistente nexo causal entre as sequências, o significado da obra. Cabe ao espectador desvendar a esfinge.  Enquanto isso, assiste-se a uma filmagem bonita, com belas locações, bons atores e tudo o mais. E vê-se muita maldade, ou intenções escusas, num filme que se chama O MAL NÃO EXISTE.  Como assim?  É só uma ironia ou ele seria uma representação, uma performance teatral? Ou ele está lá e a gente faz de conta que não vê? Poderíamos até fazer uma pesquisa sobre o que cada um achou que era, interpretou, complementou, inventou.  Quando algo não está claramente dado, a tendência é preenchermos as faltas com a nossa própria visão do mundo e das coisas.  Ou simplesmente abandonar o desafio e rejeitar o filme.  O problema é que ele é muito bem feito e está muito longe de ser uma bobagem qualquer.  106 minutos.

@mostrasp

 

 

 



Um comentário:

  1. Muito interessante os filmes que você nos mostrou.
    Obrigada,
    Áurea Laguna

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