Antonio Carlos Egypto
A PIOR PESSOA DO MUNDO (Verdens verste menneske). Noruega, 2021. Direção: Joachim Trier. Elenco: Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie,
Herbert Nordrum, Maria Grazia Di Meo.
128 min.
Quem já não se sentiu a pior pessoa do
mundo, por algo que fez e do qual se arrepende, por omissão, por escolhas
erradas que só complicaram a vida, por descontrole em relação a si mesmo,
deixando-se levar por impulsos ou por outras razões (ou emoções)? Em outros momentos e circunstâncias talvez
essa mesma pessoa tenha se sentido a melhor do mundo. Claro, porque a vida é complexa, cheia de
ambiguidades, as pessoas transitam entre os mais diversos afetos, emoções,
impulsos, racionalizações, medos, ansiedades e, enfim, a angústia. Em busca da felicidade e do amor, de alcance
no mínimo duvidoso. E passageiro.
O filme do diretor norueguês Joachim
Trier (de “Oslo, 31 de agosto”, de 2014) trata dessas coisas todas,
centrando-se na figura da personagem Julie (Renate Reinsve), uma jovem de 30
anos em busca de tudo, ou quase tudo. De
que atividade se ocupar na vida, aproveitando talentos de boa estudante, mas
escolhendo algo que a realize, de que ela goste, tenha interesse em se
dedicar. Ela dispõe das condições
necessárias para isso, vivendo numa família norueguesa de classe média, o que
significa alto padrão lá, em Oslo. No
entanto, está difícil para ela essa escolha, que, a rigor, já passou do prazo regulamentar.
Ela busca também se entender como
mulher, ativa e independente, no sexo, nas relações amorosas, nos contatos com
os outros, aí incluídos os seus próprios familiares e os dos dois namorados que
teve nessa época da vida. Não pensa em
ter filhos, não sente apelo maternal de nenhuma espécie, mas essa é uma questão
que se faz presente nos relacionamentos amorosos, fatalmente. Não somente
Julie, em sua circunstância de adulta jovem, se debate em torno dessas
questões. As pessoas com quem ela se
relaciona, também, de um modo ou de outro, vivem em torno dessas buscas, que se
alteram ao longo do tempo de vida, mas estão lá.
Acompanhamos ao longo do filme uma
espécie de périplo da personagem, que se mostra sempre incompleta,
insatisfeita, de algum modo. Talvez não
infeliz, mas em busca do que falta, querendo se livrar do que incomoda,
desejando experimentar algo novo. Outra
dimensão humana para lá de compreensível.
Enfim, “A Pior Pessoa do Mundo” trata
com muito equilíbrio da vida como ela é e de como gostaríamos que ela
fosse. Aqui não só os personagens são de
carne e osso, reconhecidos em sua humanidade, como passam pelos percalços
corriqueiros da existência. Não cabem
heróis, superpoderes, magia. As coisas
decorrem como decorrem na vida, mesmo.
Além do que apontei até aqui, vale
ressaltar que questões como o adoecer e o medo da morte estão no
horizonte. O relacionamento edípico de
Julie com o pai é apontado e ressaltado, é um componente importante, mas não é
a razão de ser do comportamento da jovem.
Digamos que Freud explica, mas não justifica.
A questão da expressão artística aparece
no personagem Aksel (Anders Danielsen Lie), quadrinista de êxito, que se vê às
voltas com o uso comercial do gato anarquista e agressivo que ele criou sendo
domesticado e esvaziado na transposição para o cinema. E reclama nostálgico, aos 45 anos, do consumo
de cultura nos dias de hoje, sem os objetos que a significavam e que nos
encantavam, antes dos tempos dos celulares e da Internet que os fizeram
desaparecer de cena.
A narrativa do filme se divide em
prólogo, doze capítulos e um epílogo, como um livro, e cada parte vai compondo
a história dos 30 anos de Julie. Em
sequências marcantes, quando o amor se materializa ou o desejo se acentua, o
mundo para, o tempo fica suspenso e só ela e seu amante se movimentam. Tudo o mais fica estático, em forma de foto
ou estátua. Funciona muito bem no filme,
até porque é usado moderadamente, para não cansar ou incomodar.
Os personagens centrais, e mesmo alguns
coadjuvantes, são bem construídos e têm atores e atrizes que os sustentam em
bons desempenhos, com destaque para a protagonista Renate Reinsve, que, com
vigor e simpatia, ocupa a cena. Anders
Danielsen Lie, como Aksel, é ótimo e Herbert Nordrum, como Eivind, completa com
competência o trio principal da história.
Um filme que consegue mesclar um drama existencial com leveza, dinamismo
e humor. O resultado final é bem
cativante.
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