ANTONIO CARLOS EGYPTO
UM
HERÓI, Irã. Direção: Asghar
Farhadi. Com Amir Jadidi, Moshen
Tanabandeh, Sahar Goldust, Sarina Farhadi. 127 min.
“Um
Herói” é um trabalho primoroso do diretor iraniano Asghar Farhadi. O estilo do cineasta já é bastante conhecido,
contando histórias de um modo elaborado, abordando por vários ângulos, trazendo
informações novas, adicionais, mostrando o que sente o outro lado. E, assim, o que parecia ser algo claro se
torna duvidoso, obscuro ou até francamente falso. A meu ver, o estilo Farhadi de contar
histórias é que ele o faz problematizando.
Levanta questões e dúvidas o tempo inteiro.
O que
seria, portanto, um herói para o seu cinema?
Alguém que tem uma dívida que está pagando com um período na cadeia até conseguir
saldá-la e quando, numa saída autorizada, acha um bom dinheiro numa bolsa na
rua e mesmo assim resolve devolvê-la à sua dona, é um claro exemplo.
Se a
verdade fosse pura e simplesmente assim, talvez. Mas se formos esmiuçar o que de fato
aconteceu, novos elementos aparecerão.
Se formos contar a alguém, provavelmente arredondaremos os fatos, para
que se tornem mais vivos e interessantes.
Se adicionarmos uma pitada de emoção registrada pelas câmeras, aí é que
o sentido muda ainda mais. Uma grande
difusão em forma de notícia tende a causar comoção.
Por
outro lado, no mundo atual das câmeras de celular, redes sociais, para cada
notícia pode-se produzir a antinotícia.
Por interesses diversos, mas também porque todo herói tem um lado
cafajeste e todo cafajeste tem seu heroísmo também. Em outras palavras, o mundo é muito complexo
para caber em caixinhas bipolares, esquemas simplificadores, certo e errado,
preto e branco, verdade e mentira. A
gente é que tende a acreditar no que reforça o que já sabemos e adotamos como
verdadeiro para nós.
O
exercício que o cinema de Asghar Farhadi nos propõe é o de repensar a cada
passo onde estará a verdade, pelo menos a verdade dos fatos. Porque as interpretações são de outra
ordem. E ele mostra que essa verdade
factual nos escapa e, quando ela entra em conflito com a narrativa que
adotamos, pode ser ignorada ou rejeitada.
Ou, ainda, revisada, reajustada, de modo a continuar valendo.
Farhadi
é um contador de histórias, seu cinema não dispensa bons personagens, situações
intrigantes, expectativa, suspense. E um
bom elenco em cena. Discute a sociedade,
os comportamentos, as leis. Está sempre
levantando dúvidas, novas perguntas, nos obrigando a pensar em outras
configurações no modo de encarar cada problema que ele nos apresenta.
Dizer
que ele foi premiado duas vezes com o Oscar de filme internacional, com “A
Separação”, em 2011, e “O Apartamento”, em 2016, não acrescenta muita coisa ao
seu cinema, a não ser como mercadoria, mais ou menos rentável. O cinema de autor de Asghar Farhadi é sólido
e consistente. E “Um Herói”, um dos
filmes de abertura da 45ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que
começa hoje e vai até 03 de novembro, certamente é um de seus maiores
destaques.
Para
acessar a programação, ingressos e informações sobre a Mostra, www.mostra.org
@mostrasp
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