Antonio Carlos Egypto
BAGDÁ
VIVE EM MIM (Baghdad in my shadow). Suíça,
2019. Direção: Samir Jamal Al-Din. Com Haytham Abdulrazaq, Zahraa Ghandour,
Wassem Abbas, Shering Alenabi. 109 min.
A nossa origem faz parte de nossa
identidade e será sempre elemento fundamental da vida de cada indivíduo. O exílio costuma ser uma experiência sofrida,
dolorosa. Em muitos casos, porém, a
escolha pelo exílio torna-se inevitável.
É o caso dos países em guerra, da fome, das perseguições, da violência,
dos preconceitos.
“Bagdá Vive em Mim” fala disso, a
respeito de personagens nascidos no Iraque e vivendo exilados em Londres. O diretor e também corroteirista do filme se
inspira em sua própria experiência de iraquiano vivendo na Suíça. E constrói uma boa trama, que amarra
diferentes tipos de exilados, que se encontram e ou trabalham num café londrino
chamado Abu Nawas, em homenagem a um
poeta árabe importante.
O elo desses personagens é a figura de
Taufiq (Haytham Abdulrazaq), poeta maduro que sobrevive em Londres como
vigilante noturno e que se envolverá com uma morte, uma tentativa de homicídio,
e um confronto com o islamismo radical de um ex-colaborador de Saddam Hussein,
que acaba de se tornar adido cultural do Iraque na cidade. Entre outras questões políticas e
comportamentais. Embora faça parte de um
ambiente muçulmano, ele não é religioso e, ideologicamente, é comunista. Isso é um tanto complicado.
O contexto do exílio londrino, no
entanto, dá margem a muito mais liberdade de ação e escolha, o que alguns
iraquianos aprenderam a explorar muito bem.
O casal que comanda o café é liberal, tolerante e divertido, do tipo
“viva e deixe viver”. Já são pessoas
sexagenárias, vividas e experientes.
Para os mais jovens, isso é bem mais difícil.
Amal (Zahraa Ghandour), que saiu do Iraque para escapar de um marido violento,
ainda teme se envolver com um rapaz inglês que a deseja e que não entende o que
se passa na sua cabeça, já que ela é uma mulher livre e demonstra gostar dele.
Para Muhanad (Wassem Abbas), que saiu
do Iraque para evitar as perseguições por ser gay, o clima desanuviou muito,
mas ainda é difícil para ele demonstrar afeto a outro homem em público, mesmo
sem restrições legais ou sociais. Como
diz o título do filme, Bagdá continua lá, na cabeça de todos, com seus valores,
limites, restrições, com o que sua cultura traz de belo, mas também de
opressor.
A barra pesa quando o jovem Naseer
(Shering Alenabi) surpreende sua mãe, seu tio e a todos do café, por sua adesão
ao islamismo radical, que interpreta a religião muçulmana como violência e
guerra aos infiéis. E por aí é que a
aparente tranquilidade do exílio num país liberal se transforma num inferno particular
para os iraquianos do local. A polícia
britânica é quem vai tratar de deslindar o caso.
“Bagdá Vive em Mim” prende a atenção,
tem bom ritmo, boa estrutura narrativa e ensina muito sobre o jeito de viver,
sentir e pensar, dos iraquianos. Mostra que
o processo de aculturação pode ser complicado e demorado. Enquanto muitos alcançarão êxito em sua
empreitada, outros patinarão sem conseguir a estabilidade necessária. Além disso, o mundo é cada vez mais global e
o que parecia bem distante pode estar ali ao lado.
Outro aspecto importante é a reflexão
sobre as dificuldades para poder usufruir da liberdade. Conquistá-la pode se tornar um processo
complexo, mesmo que as condições externas e objetivas colaborem. John Lennon disse, certa vez, algo assim:
Quando você viaja, não adianta tentar escapar, porque você tem de levar a si
mesmo junto. Ou seja, tudo está na
mente, não no lugar. Determinantes
culturais são muito fortes, não é fácil ressignificá-los, construir uma nova
identidade, por mais acolhedor que seja o ambiente.
Um filme que, praticamente, começa com
uma cena de tortura e tem, quase ao
final, uma cena de incêndio criminoso provocado por bombas, parece um filme
atormentado. Mas não. O diretor de origem iraquiana, Samir, fez um
filme suíço, ambientado em Londres, que soa libertador e universal.
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