sábado, 28 de novembro de 2020

O ORFANATO

Antonio Carlos Egypto

 



O ORFANATO (Parwareshghah).  Afeganistão, 2019.  Direção de Shahrbanoo Sadat.    Com: Qodratollah Qadiri, Sediqa Rasuli, Masihullah Feraji, Anwar Hashimi.  90 min.

 

 

São tão raras as possibilidades de ver um filme realizado no Afeganistão que, quando elas aparecem, vale a pena conferir.  É o caso agora de “O Orfanato”, que estará disponível por streaming (Now, Vivo Play), a partir de 03 de dezembro.  Uma jovem mulher cineasta, Shahrbanoo Sadat, dirige uma história baseada num diário não publicado de Anwar Hashimi, um dos atores do filme, que faz o papel de supervisor do orfanato.

 

A ação se passa num orfanato soviético no Afeganistão, na época de Gorbatchev no poder na URSS.  O local recolhe meninos em situação de rua, como Qodrat (Qodratollah Qadiri), aos 15 anos, que perambula pelas ruas de Cabul, ganhando algum dinheiro como cambista de ingressos de cinema esgotados.  Aí já se vê o apelo do cinema, que entrará na narrativa como fantasia.

 

O orfanato oferece boas condições de moradia, alimentação e estudo aos meninos, tanto que os conflitos acabam sendo as lutas de poder entre eles e o domínio autoritário de um líder mais velho da turma.  Sem ele, no entanto, a camaradagem consegue imperar entre os demais.  Quando ele deixa o orfanato, a gente fica pensando: e agora, o que restará do filme?

 

A questão proposta por "O Orfanato” é que esse mundo em razoável equilíbrio desmoronará com a queda do governo e a chegada da milícia muçulmana armada ao poder.

 



Do jeito em que isso é apresentado fica esquemático, os soviéticos eram bons, o Estado Islâmico que se instalou, péssimo.  Por exemplo, alguns meninos vão para um acampamento de férias em Moscou, onde são bem recebidos, ensinados e estimulados a jogar xadrez e se divertem.  O braço armado muçulmano já chega ao orfanato atirando no diretor, sem mais, nem menos.  Não há nuances.  Ficam o bem e o mal mostrados de forma absoluta.

 

A gente custa a crer que a barbárie exista mesmo, desse modo, sem meias medidas.  Mas que ela existe, existe.  Então, pode ter sido mais ou menos assim mesmo, conforme o relato dos diários filmados.  Enfim, a coisa foi sentida e vivida assim pelo escritor.  Esse escritor/ator compõe o personagem do diretor do orfanato, que será atacado, como um bom educador, equilibrado e justo.

 

O que o filme acrescenta de interessante a tudo isso é a fantasia.  Qodrat é obcecado pelo cinema indiano de ação, com lutas e sopapos, e o musical, com cantos e danças.  Enquanto ele vive a realidade, a sua imaginação encontra soluções em cenas típicas de filmes de Bollywood, a Hollywood da Índia, em Bombaim (Mumbai).  É o cinema colorindo a vida de um menino sem família, em situação de rua, acolhido pelo orfanato que, como todo mundo, tem de lidar com frustrações, decepções e perdas.  Vale-se do cinema para suportar tudo isso.

 

 

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