quarta-feira, 16 de setembro de 2020

CINEMA...EM CASA (2)

Antonio Carlos Egypto



 

No momento em que escrevo a mão este texto sobre o que tenho curtido de cinema, em DVD por aqui, estou numa varanda de casa, em Águas de São Pedro..  Acompanhado pela presença e pelo canto de inúmeros e variados pássaros, alguns até bem estridentes, pelo voo de urubus que aqui passeiam e quase sem notar os gatos da vizinhança que aparecem sempre, sem dar aviso, e circulam livremente pelos limites da casa.  A caravana não passa, mas os cães ladram mesmo assim.

 

Uma vez, há um tempo, um pato selvagem subiu em cima do nosso telhado, sabe-se lá por quê, fazendo um barulhão.  Há um lago, uma represa, perto de casa, mas nem tão perto assim.  Há poucos dias, fui colocar o saco de lixo no local de coleta, em frente de casa, à noite, e me deparei com um tatu.  Pena que não pude fotografá-lo.  No centro da cidade, há poucas semanas, passeavam tranquilamente quatis pela rua, esses deu para fotografar. Lagartos circulam amiúde por todos os cantos. Em tempos de isolamento, além da esposa, tenho os animais por perto.  A proximidade da natureza provê isso e dá o toque curioso dessa vida em compasso de espera que estamos vivendo.

 



Uma boa companhia na tela da TV foi o box de DVDs “Essencial Agnès Varda”, lançado recentemente pelo www.obrasprimasdocinema.com.br.  Gostei muito do material que veio nessa caixa, porque já conhecia e admirava o trabalho dessa grande mulher cineasta, de uma obra admirável, mas não conhecia os filmes aqui mostrados, exceto um.

 

Já comentei aqui no  cinema com recheio  vários filmes de Agnès Varda (1928-2019) e a profunda relevância da obra que ela nos legou, com destaque para filmes como “La Pointe Courte” (1954), “Cleo das 5 às 7” (1962), “As Duas Faces da Felicidade” (1965), “Sem Teto, Sem Lei” (1985), que estão em outro box do Obras Primas.  Além deles, vale citar “As Praias de Agnès” (2008), lançado em DVD pelo Instituto Moreira Salles, e “Visage, Villages” (2017).  Destaco ainda o último filme dela, “Varda por Agnès”, de 2018, autêntico testamento artístico costurado por ela, revisitando os principais aspectos de sua criação, ao longo do tempo.  Esse último filme foi recentemente lançado em DVD pela Imovision (loja.imovision.com.br) e é indispensável.

 

Agnès Varda


Para quem já conhecia tudo isso, foi muito interessante conhecer outros 3 longas e 13 curtas-metragens da cineasta.  Tudo muito bom, como toda sua obra, que é muito pessoal, afetiva, intensamente marcada pela arte e pela política e que combina o documentário e a ficção, em narrativas em que ela, Agnès, está sempre presente (até no título, como se pode ver).

 

O longa “Jane B por Agnès V” (1988) é um retrato poético da atriz Jane Birkin, perscrutando a intimidade e explorando possibilidades em uma fantasia realista, a partir da disposição da atriz de se expor e também dos seus limites na relação que se estabeleceu com a pessoa e a câmera de Agnès Varda.

 

“Kung-Fu Master”, filme realizado no mesmo ano de 1988, em paralelo ao outro, traz uma história de amor improvável, vivida por uma mulher de 40 anos (Jane Birkin) com um jovem de 15 anos, papel do filho de Agnès, Mathieu Demy.  O título, pouco atraente, refere-se ao game favorito do garoto.  A abordagem é muito inteligente, cuidadosa e veraz. 

 

Jane B. por Agnès V.


O terceiro longa, “Jacquot de Nantes” (1991), revela outra bela história de amor, a da própria Agnès por seu marido, o cineasta Jacques Demy (1931-1990), cuja obra ela sempre lutou para preservar e difundir e homenageou nesse filme, uma biografia de Demy, a partir das próprias lembranças dele no fim da vida, remetendo ao passado, à infância, à adolescência e aos primórdios do trabalho como cineasta.  Ela fez também, em 1993, “O Universo de Jacques Demy” sobre a obra artística desse grande cineasta da  nouvelle vague.  Como ela, aliás.

 

Só para lembrar alguns ótimos filmes de Jacques Demy, “Lola, a Flor Proibida” (1960), que também revi nessa quarentena, excelente, da Lume Clássicos, do Maranhão, que acaba de reativar seu setor de DVDs.  “Baía dos Anjos” (1963), “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), “Duas Garotas Românticas” (1967), “Pele de Asno” (1971), com especial destaque para o desempenho de Catherine Deneuve na maioria desses títulos.  Nesse box  Essencial Agnès Varda  há também um curta-metragem de Jacques Demy, “O Tamanqueiro do Vale do Loire”.  Isso, além dos 13 assinados por Varda.

 

Quanto aos curtas dela, são todos muito interessantes, têm muita criatividade, espírito crítico e posicionamentos políticos e artísticos claros e consistentes.  Vale a pena conhecer cada um deles.  Eu destacaria ”Os Panteras Negras”, neste momento de reflexão indispensável sobre as manifestações antirracistas.  O curta de 1968 dialoga com isso.  Mas há de tudo nos curtas, com ênfase na pessoa humana, além da arquitetura, do social, do fruir estético.  Uma mulher como essa é uma glória do cinema.  Passei a gostar ainda mais do trabalho dela, após conhecer essas obras. 




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