Antonio Carlos Egypto
No momento em que escrevo a mão este
texto sobre o que tenho curtido de cinema, em DVD por aqui, estou numa varanda
de casa, em Águas de São Pedro..
Acompanhado pela presença e pelo canto de inúmeros e variados pássaros,
alguns até bem estridentes, pelo voo de urubus que aqui passeiam e quase sem
notar os gatos da vizinhança que aparecem sempre, sem dar aviso, e circulam
livremente pelos limites da casa. A
caravana não passa, mas os cães ladram mesmo assim.
Uma vez, há um tempo, um pato selvagem
subiu em cima do nosso telhado, sabe-se lá por quê, fazendo um barulhão. Há um lago, uma represa, perto de casa, mas
nem tão perto assim. Há poucos dias, fui
colocar o saco de lixo no local de coleta, em frente de casa, à noite, e me
deparei com um tatu. Pena que não pude
fotografá-lo. No centro da cidade, há
poucas semanas, passeavam tranquilamente quatis pela rua, esses deu para
fotografar. Lagartos circulam amiúde por todos os cantos. Em tempos de
isolamento, além da esposa, tenho os animais por perto. A proximidade da natureza provê isso e dá o
toque curioso dessa vida em compasso de espera que estamos vivendo.
Uma boa companhia na tela da TV foi o
box de DVDs “Essencial Agnès Varda”, lançado recentemente pelo www.obrasprimasdocinema.com.br. Gostei muito do material que veio nessa
caixa, porque já conhecia e admirava o trabalho dessa grande mulher cineasta,
de uma obra admirável, mas não conhecia os filmes aqui mostrados, exceto um.
Já comentei aqui no cinema
com recheio vários filmes de Agnès
Varda (1928-2019) e a profunda relevância da obra que ela nos legou, com
destaque para filmes como “La Pointe Courte” (1954), “Cleo das 5 às 7” (1962),
“As Duas Faces da Felicidade” (1965), “Sem Teto, Sem Lei” (1985), que estão em
outro box do Obras Primas. Além deles, vale citar “As Praias de Agnès”
(2008), lançado em DVD pelo Instituto Moreira Salles, e “Visage, Villages”
(2017). Destaco ainda o último filme
dela, “Varda por Agnès”, de 2018, autêntico testamento artístico costurado por
ela, revisitando os principais aspectos de sua criação, ao longo do tempo. Esse último filme foi recentemente lançado em
DVD pela Imovision (loja.imovision.com.br) e é indispensável.
Para quem já conhecia tudo isso, foi
muito interessante conhecer outros 3 longas e 13 curtas-metragens da
cineasta. Tudo muito bom, como toda sua
obra, que é muito pessoal, afetiva, intensamente marcada pela arte e pela
política e que combina o documentário e a ficção, em narrativas em que ela,
Agnès, está sempre presente (até no título, como se pode ver).
O longa “Jane B por Agnès V” (1988) é
um retrato poético da atriz Jane Birkin, perscrutando a intimidade e explorando
possibilidades em uma fantasia realista, a partir da disposição da atriz de se
expor e também dos seus limites na relação que se estabeleceu com a pessoa e a
câmera de Agnès Varda.
“Kung-Fu Master”, filme realizado no
mesmo ano de 1988, em paralelo ao outro, traz uma história de amor improvável,
vivida por uma mulher de 40 anos (Jane Birkin) com um jovem de 15 anos, papel
do filho de Agnès, Mathieu Demy. O
título, pouco atraente, refere-se ao game
favorito do garoto. A abordagem é muito
inteligente, cuidadosa e veraz.
O terceiro longa, “Jacquot de Nantes”
(1991), revela outra bela história de amor, a da própria Agnès por seu marido, o
cineasta Jacques Demy (1931-1990), cuja obra ela sempre lutou para preservar e
difundir e homenageou nesse filme, uma biografia de Demy, a partir das próprias
lembranças dele no fim da vida, remetendo ao passado, à infância, à
adolescência e aos primórdios do trabalho como cineasta. Ela fez também, em 1993, “O Universo de
Jacques Demy” sobre a obra artística desse grande cineasta da nouvelle
vague. Como ela, aliás.
Só para lembrar alguns ótimos filmes
de Jacques Demy, “Lola, a Flor Proibida” (1960), que também revi nessa
quarentena, excelente, da Lume Clássicos, do Maranhão, que acaba de reativar
seu setor de DVDs. “Baía dos Anjos”
(1963), “Os Guarda-Chuvas do Amor” (1964), “Duas Garotas Românticas” (1967),
“Pele de Asno” (1971), com especial destaque para o desempenho de Catherine
Deneuve na maioria desses títulos. Nesse
box Essencial
Agnès Varda há também um
curta-metragem de Jacques Demy, “O Tamanqueiro do Vale do Loire”. Isso, além dos 13 assinados por Varda.
Quanto aos curtas dela, são todos muito
interessantes, têm muita criatividade, espírito crítico e posicionamentos
políticos e artísticos claros e consistentes.
Vale a pena conhecer cada um deles.
Eu destacaria ”Os Panteras Negras”, neste momento de reflexão
indispensável sobre as manifestações antirracistas. O curta de 1968 dialoga com isso. Mas há de tudo nos curtas, com ênfase na
pessoa humana, além da arquitetura, do social, do fruir estético. Uma mulher como essa é uma glória do
cinema. Passei a gostar ainda mais do
trabalho dela, após conhecer essas obras.
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