Antonio Carlos
Egypto
A 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São
Paulo, de 2018, acabou, em suas sessões regulares, em 31 de outubro. Houve mais uma semana de repescagem, que se
encerrou em 07 de novembro. Foi preciso
chegar à última sessão da repescagem para que eu conseguisse ver todos os
filmes premiados do evento. Quase. Ainda acabou faltando um: o brasileiro SÓCRATES (Menção Honrosa do Júri
Internacional). E isso acontece mesmo eu
tendo conseguido ver mais de 60 filmes no conjunto do evento. Só um desses premiados entrou na minha lista
dos dez melhores, mas reconheço em todos méritos evidentes para terem recebido
o prêmio que lhes coube.
NUESTRO TIEMPO |
NUESTRO
TIEMPO, do México, prêmio da Crítica para melhor filme
estrangeiro, é o que consta também na minha lista dos dez mais. É um trabalho do diretor mexicano Carlos
Reygadas (do belíssimo “Luz Silenciosa”, de 2007). Um filme moderno, tanto na concepção quanto
na temática. Há uma trama central que
aborda os novos conceitos éticos, morais e comportamentais, que nos colocamos
neste nosso tempo de permanente mutação.
O curioso é que o contexto em que isso é colocado é tradicional: uma
fazenda de gado, em que se vive em pleno campo, cercado de animais, se
deslocando de carro ou a cavalo, mas com a presença indispensável dos celulares
e do controle tecnológico que eles permitem às pessoas. Várias sequências, todas muito bem
construídas e impactantes, entram como apêndice, contraponto, comentário em
relação à questão central. Cada um pode
interpretar como lhe parecer melhor. Há
força em todas elas, nas crianças que brincam e interagem intensamente umas com
as outras. Nos jovens que se relacionam
fortemente, de forma amigável, amorosa, mas também bastante competitiva. Nos touros, símbolos da fazenda, que se
atracam, se enfrentam, com muita força.
Compreendemos que temos ali um universo marcado pela intensidade de
movimentos e sentimentos. O homem
moderno se rege por novos padrões, mas o que vive internamente continua sendo
marcado por suas vulnerabilidades. Há a
dominação, a manipulação, a perda de controle marcada pelo ciúme, pelo medo do
abandono e da solidão, pela inveja e pelo desejo de ser genuinamente
amado. Questões ancestrais que têm de
ser retrabalhadas no nosso tempo. Mas
como? A que custo? O filme nos coloca essa questão com belas
sequências e desempenhos marcantes do elenco, de forma muito instigante.
O prêmio da Crítica para o melhor filme
brasileiro da Mostra foi para TODAS AS
CANÇÕES DE AMOR, de Joana Mariani.
De fato, o filme é muito charmoso, ao mostrar dois casais jovens, de
classe média, que têm em comum um apartamento, onde residem em tempos
diferentes, ou seja, um após o outro, e uma fita cassete gravada com as canções
de amor, não todas, mas muitas. A
seleção musical ilustra a vida amorosa do casal Clarice e Daniel, revisitada
por Ana e Chico, em sua própria vida amorosa.
Ela, tentando fazer literatura a partir da fita cassete das canções e do
apartamento. Um bom roteiro e uma ótima
seleção musical de Maria Gadú, com direito a uma participação especial de
Gilberto Gil, cantando Drão. O filme
já entrou em cartaz nos cinemas.
LAS SANDINISTAS |
Dois prêmios foram conquistados por LAS SANDINISTAS, o troféu Bandeira
Paulista, para novos diretores, e o prêmio do público, para melhor
documentário. O filme de Jenny Murray é brilhante,
ao retratar o processo revolucionário que aconteceu na Nicarágua, em 1979. A chamada Revolução Sandinista contou com a
participação ativa, decisiva e na primeira linha, das mulheres. Algumas delas, que se destacaram, estão no
filme. O problema é que elas foram
perdendo a batalha da história, do registro de seus feitos, a do
esquecimento. E mesmo de seu pioneirismo
ao implantar programas sociais, educacionais, de saúde, após a conquista do
poder. O machismo, que vigorava
tradicionalmente na sociedade nicaraguense, se entranhou também no tecido
revolucionário e no governo de Daniel Ortega.
A ditadura de Somoza se foi, mas os feitos das mulheres estão caindo e
sendo esquecidos. O documentário
estadunidense busca resgatar essa verdade histórica e faz um belo libelo
feminista, embora sem alarde, a partir disso.
O prêmio do público para ficção ficou para CAFARNAUM, do Líbano, direção de Nadine
Labaki (de “E agora, aonde vamos?”, de 2011).
É o melhor filme dela, na minha opinião.
O resultado realista que ela obteve com um ator de 12 anos, Zain, ao
longo de todo o filme, é notável. Ele
contracena boa parte do tempo com um bebê, o que funciona incrivelmente
bem. O que a mise-en-scène mostra é uma
vida de miséria absoluta, que acaba fazendo com que o menino processe seus pais
por ter nascido (sic). Isso é muito
estranho. Também é esquisito ver os pais
do garoto tendo um monte de filhos, sem suprir nenhuma das necessidades básicas
de nenhum deles, e dispostos a vender a irmã de Zain, assim que ela menstrua
pela primeira vez. Esses pais vivendo na
miséria é que são os culpados ou o sistema que produz essa miséria toda também
os vitimiza? Isso não fica claro e o
apelo por pôr menos filhos no mundo soa forte e, a meu ver, impreciso. O filme é muito bem realizado e envolvente,
recebeu aplausos ao final da sessão e tudo mais. Tem, porém, esses problemas e alguns outros,
menores. Em compensação, tem sequências
muito bem boladas, como o carrinho improvisado que Zain fez, para carregar o
bebê pela rua.
CAFARNAUM |
O filme brasileiro MEIO IRMÃO conquistou duas importantes premiações: o Petrobrás de
Cinema, como melhor longa nacional de ficção, recebendo R$200.000,00, e o
reconhecimento da Crítica, pelo prêmio da Abraccine. Nada mau para o primeiro longa de Eliane
Coster. A jovem Sandra e seu meio irmão
Jorge são figuras vulneráveis, de uma realidade empobrecida, com a mãe
sumida. Com uma estrutura familiar
rarefeita, sem dinheiro e ainda tendo de lidar com uma agressão homofóbica filmada
por Jorge, as coisas não ficam fáceis. O
trabalho da cineasta mostra, de forma convincente, esse clima de insegurança e
desamparo que atinge os personagens.
O Prêmio Petrobrás de Cinema também agraciou,
no quesito documentário nacional, com R$100.000,00, TORRE DAS DONZELAS, de Susanna Lira. O filme, que trata da torre do presídio
Tiradentes, dedicada à prisão feminina nos tempos da ditadura militar, alcançou
a ex-presidente Dilma Rousseff e um grupo grande de mulheres. Presas políticas, militantes de esquerda
vinculadas, geralmente, a grupos que tinham atuação na luta armada de
resistência da época, não só contam sua epopeia, como tentam reconstruir o
espaço em que viveram, já agora demolido.
Não faltam relatos pungentes das torturas vividas por elas no DOPS,
antes de chegar ao “paraíso” da prisão Tiradentes. O filme, apesar do tema, tem alto astral e
histórias curiosas, como aquela do recebimento de vestidos de festa doados a
elas, em plena prisão, sem perspectiva de saída. Acaba sendo hilário. São, em sua maioria, mulheres inteligentes,
acadêmicas. Todas elas encantam com sua
coragem e disposição de viver, ainda hoje.
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