VERMELHO
SOL, de Benjamin Naishtat, destacou-se entre os muitos
filmes argentinos exibidos na 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo,
por abordar um período menos evidente da vida política recente do país. Enquanto muitos filmes tratam da ditadura
militar que acometeu a Argentina a partir de 1976 e cujas consequências são
amplamente conhecidas e comentadas, aqui o que é evidenciado é o período
anterior à tomada de poder pelos militares.
Nos anos 1970, numa pequena cidade, sente-se a tensão no ar, aquilo que
está para irromper a qualquer momento.
Sabe-se, também, que o autoritarismo é parte integrante da história
argentina e já estava instalado, ainda que não da forma como se estabeleceria
em seguida. O mérito do filme é que ele
nos faz sentir o cheiro do que está a caminho. Desmentindo o famoso mote do
deputado Tiririca: pior do que está sempre pode ficar. A intolerância, a vingança, a violência, são
os sintomas, as evidências desse mal-estar que se estabelece e causa medo. 109 min.
UTOYA |
Por falar em medo, que dizer do filme
norueguês UTOYA—22 DE JULHO, de Erik
Poppe? Ele nos coloca no centro da ação
em que estavam cerca de 500 adolescentes acampados no verão, na ilha de Utoya, que
fica nos arredores de Oslo, e que foram alvo de atirador implacável, um
representante da extrema direita, como nos informam os créditos finais. Sem focar no atirador, o filme nos faz
acompanhar todos os passos de uma adolescente em pânico, que luta para
sobreviver e encontrar sua irmã mais nova, durante o assassinato em massa. Faz isso em tempo real, ou seja, durante os
78 minutos em que durou efetivamente a tensão, antes que a situação fosse
controlada. O restante do tempo do filme
é o que ocorreu antes do início do tiroteio, onde já havia notícias de bomba
colocada na cidade de Oslo. É um tempo
imenso e um absurdo que tenha acontecido a poucos quilômetros da capital de um
dos países mais ricos e melhor organizados do mundo. A propósito, como um acampamento de verão
pode acontecer numa ilha tão pequena e devassada, sem segurança a lhe garantir? Vivemos o que a adolescente viveu, com o
coração na boca, sem saber o que estava acontecendo e por quê. A personagem e a
encenação são fictícias, mas baseadas no fato real que ocorreu em 22 de julho
de 2011. O filme, que foi exibido na
Mostra, estará brevemente em cartaz nos cinemas. 97 min.
O
ENTERRO DE KOJO, o filme de Gana, dirigido por Blitz
Bazawule, é um belo trabalho em sua estreia como cineasta de
longas-metragens. Uma históra que
envolve o confronto entre irmãos, um acidente fatal no dia em que haveria um
casamento, as memórias de infância e a vingança. Esses são os elementos, temperados com apuro
visual e poesia. A trama se desenvolve,
de modo fabular, por meio de uma menina que nos conduz. Inclui aspectos mágicos e fantásticos, que
não tiram, porém, a credibilidade e a viabilidade da história que ela conta. Ao contrário, a tornam muito mais atraente e
original. Bazawule, que mora nos Estados
Unidos e é também músico de hip-hop,
sabe criar imagens elaboradas, elegantes, bonitas, e um universo fantástico que
dialoga com o mundo concreto. Por
exemplo, ele encaixa na narrativa o papel dos chineses atuando na África e trazendo
consequências danosas para as comunidades e para o meio ambiente. 80 min.
O ENTERRO DE KOJO |
O documentário brasileiro AS QUATRO IRMÃS, de Evaldo Mocarzel, traz para a tela a figura da
grande atriz Vera Holtz, no seu universo familiar. Ela busca recuperar a memória de sua infância
e adolescência, no interior de São Paulo, em Tatuí, onde viveu ao lado de seus
pais e com suas três irmãs muito queridas. Essa retomada se dá, quando o casarão dos
Holtz completava 100 anos e no momento em que ela se queixa de lapsos de
memória, embora isso não seja visível em sua figura fortemente expressiva e com
grande fluência verbal. Evaldo Mocarzel
fez com que ela assumisse uma encenação em terceira pessoa, representasse a
mãe, e a pôs em cena com as irmãs no casarão.
O que acabou acontecendo foi que a família retomou hábitos interioranos
em torno da comida, sempre à mesa, que até retardavam as filmagens. O resultado é muito autêntico e revela Vera e
suas irmãs no informal, na intimidade afetiva e nas suas características e
diferenças. Vera Holtz alçou voos
artísticos que suas escolhas proporcionaram, como o fato de não ter se casado,
nem desejado ter filhos. E, claro, ter
abandonado a vida tranquila e acolhedora do interior, em busca de maiores
desafios e muitos sucessos. Neste
trabalho, nós, espectadores, acompanhamos seu retorno às origens, percebendo
que lá estão as bases que possibilitaram a ela tantos êxitos, por todos os
cantos, fora de lá. 76 min.
Outro belo documentário brasileiro, exibido na
42ª. Mostra, é CLEMENTINA, de Ana
Rieper. Mostra a trajetória da grande
Clementina de Jesus (1901-1987), cantora descoberta quando já tinha 63 anos de
idade e que deixou marcas tão fortes na música e na cultura brasileiras. Uma das grandes expressões do samba,
Clementina trouxe também suas raízes musicais africanas e incorporou as canções
tradicionais, folclóricas, o jongo, o partido alto, o benguelê, a música negra,
de modo geral. Importante registrar no
cinema a figura e a arte da inesquecível Clementina. O filme é uma delícia, que se consome com
muito prazer e alegria. É uma produção
do Canal CURTA! 75 min.
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