Antonio Carlos Egypto
Aí vão alguns comentários sobre filmes da 42ª
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que está começando.
Desde Yasujiro Ozu (1903-1963), o cinema
japonês se dedica de modo especial às questões familiares. A família como elemento protetor, provedor de
afetos, como o apoio e a solidariedade.
No entanto, também fonte de muitos conflitos, desagregação, remorso,
culpa. Hirokazu Kore-Eda, grande
cineasta japonês do presente, segue essa tendência, trabalhando as dificuldades
do contexto familiar, muitas vezes marcado pela competição ou desencontro entre
seus membros, pelo abandono das crianças, mas também pela aproximação entre os
distantes. As relações entre pais e
filhos continuam no centro de toda essa tradição. Em ASSUNTO DE FAMÍLIA, Kore-Eda questiona
a própria noção de família. Nada mais
atual. Existe a necessidade do vínculo e
da educação e proteção dos mais jovens, porém, são os laços biológicos que
produzem isso? Ou isso pode se
materializar de outras formas? Vínculos
de amizade e companheirismo podem substituir relações de parentesco? Com o
agravamento das vulnerabilidades econômicas e sociais, que produzem largas
camadas de pobreza e desamparo, como alcançar a sobrevivência com
dignidade? E até que ponto é possível
para essa população carente respeitar as leis, não cometer nenhum tipo de
crime? Sabemos como as camadas mais
pobres da população são solidárias entre si.
Até onde é possível ir, para compartilhar saídas em família? E qual família? São tantas as questões levantadas pelo filme
e tão envolvente e surpreendente é a sua narrativa que parece justíssima a
Palma de Ouro conquistada no Festival de Cannes. 121 min.
ASSUNTO DE FAMÍLIA |
Em SOFIA,
a diretora marroquina Meryem Benm’ Barek, em seu primeiro longa, trata da
questão da gravidez na adolescência, no ambiente tradicionalista, marcado por
leis machistas e restritivas, que tornam tudo mais difícil, especialmente para
as mulheres. Não que os homens não sejam
atingidos, também. Uma questão, que por
aqui tem uma dimensão muito menor, se converte em grande drama quando uma jovem
esconde sua gravidez e acaba tendo um filho sem estar casada, violando as leis
do país. Ela terá um dia para
regularizar os papéis de um casamento, antes de que o hospital se obrigue a
informar as autoridades. A produção da
França e do Qatar ganhou prêmio de roteiro em Cannes, pela boa trama que
resultou dessa situação-problema apresentada. 80 min.
O diretor polonês Pawel Pawlikowski nos deu o
brilhante filme “Ida”, em 2013.
Percebemos que muito se pode esperar dele. GUERRA
FRIA não chega ao mesmo nível, mas é também um belo trabalho. Com o mesmo talento com a câmera, nos
enquadramentos, na fotografia em preto e branco, ele nos conta uma história de
amor bem conflitiva. Um amor separado
pelo muro da guerra fria, tanto quanto pela diversidade de sentimentos e
comportamentos que envolvem esse homem e essa mulher. Como a trama se passa no contexto da música e
da dança, que de raiz folclórica tem de incorporar o realismo socialista e
cultivar o personalismo de Stalin, o filme tem belas sequências
artísticas. É um elaborado romance
musical, no fim das contas. Com muito
drama e conotação política. 84 min.
A FAVORITA |
A
FAVORITA, direção do cineasta grego Yorgos Lanthimos, é uma
produção de época com filmagem sofisticada, visualmente muito bonita e que
adentra o terreno do reino inglês em guerra com a França, mostrando não só
ambientes, comportamentos, roupas, mas sobretudo o perverso jogo amoroso e de
poder. Uma rainha, sua dama favorita e
uma serva que decaiu da condição que já teve de dama, travam uma disputa de
luxúria e destruição, que escancara as entranhas da monarquia britânica do
início do século XVIII. Passa longe das
edulcoradas narrativas que glamourizam uma vida que, segundo o filme, tem
sordidez de sobra. Boa trilha musical e
um trabalho de som que, por sua precisão e intensidade ao longo da projeção,
chamam muito a atenção. A produção
envolve Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos.
120 min.
PODERIA
ME PERDOAR?, da diretora estadunidense Marielle Heller,
relata, de uma forma clássica, uma história composta de fatos reais que são
surpreendentes. Uma ótima escritora de
biografias, que já foi famosa, enfrenta as consequências das novas expectativas
de mercado que, na prática, a excluem.
Escrever bem ela sabe, e em diferentes estilos, porém, para sobreviver,
ela usa esse talento de forma criminosa, ganha um bom dinheiro e acaba se
saindo bem, computando-se tudo o que aconteceu com ela. Vale porque é uma boa história, com um elenco
muito bom. 107 min.
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