quarta-feira, 31 de outubro de 2018

DESTAQUES DA 42ª. MOSTRA

Antonio Carlos Egypto


Com a 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo chegando ao fim, é hora de destacar mais alguns grandes filmes que ela apresentou.  O que inclui ROMA, o filme de encerramento hoje.  O Cinesesc faz a repescagem da Mostra, em mais uma semana, a partir de amanhã. 


ROMA


ROMA, filme mexicano de Alfonso Cuarón, com uma bela fotografia em preto e branco, é focado nas mulheres.  Coloca-nos dentro do espaço doméstico de uma família de classe média-alta do México, anos 1970.  A empregada doméstica Cleo (Yalitza Aparicio) e sua colega Adela (Nancy García), de ascendência indígena, trabalham, sem conflitos aparentes, para Sofia (Marina de Tavira), a dona da casa, com quatro filhos, cujo marido está sempre ausente.

Cleo cuida dos filhos de Sofia como se fossem seus.  E o filme mostra uma rotina em que fica claro o trabalho extenuante, semiescravo, das serviçais, mas também um convívio pacífico e mesmo acolhedor da patroa.  Sem tempo de ter vida própria, Cleo parece realizar-se por meio da vida da família que a emprega.

O incômodo inicial fica por conta de um carro grande, o velho Galaxy, que vive arranhado, porque não cabe direito na garagem da casa.  Algo ali não se sustenta.  Os dramas que se desenvolverão a partir daí na vida das duas mulheres protagonistas, Cleo e Sofia, provocarão um turbilhão de eventos, que se entrelaçam com as lutas políticas do período, entre milícias e manifestantes estudantis, que acabarão por exercer papel decisivo no desenrolar da trama.  Mas os homens que se relacionam com as protagonistas são os grandes responsáveis pela dor e sofrimento que elas têm de viver.  A condição de mulher aproxima ambas.  Aquilo que as diferenças de classe separam a condição feminina agrega.

Sequências muito bem construídas, ao longo de todo o filme, encantam.  Tanto quando nada parece estar acontecendo, como quando tudo se desencadeia com grande intensidade. ROMA, vencedor do Leão de Ouro em Veneza, pela qualidade merece ser visto na tela do cinema, mas é uma produção da Netflix, que deverá estar nas telas de TV em dezembro.  É possível que haja um lançamento cinematográfico antes disso.  Se houver, recomendo uma ida ao cinema.  135 min.

UMA MULHER EM GUERRA, o indicado da Islândia para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, de Benedikt Erlingsson, é outro trabalho que projeta e destaca a mulher, sua coragem e sua força transformadora.  Aqui, a protagonista é Halla (Halidóra Geirharösdóttir), uma ativista do meio ambiente, que encara de modo pessoal uma guerra contra a indústria local de alumínio, por meio de sabotagens cada vez mais ousadas e perigosas.  Ao mesmo tempo, ela e sua irmã gêmea, professora de yoga, aguardam por pedidos de adoção de crianças.  Ou seja, tanto no terreno da atuação política, quanto no da afetividade materna, Halla encara os desafios da existência de frente e com coragem. 

O registro do filme, porém, não apresenta essa personagem dentro de um contexto de realismo e verossimilhança.  Faz uma fábula cheia de coincidências, surpresas, impossibilidades.  Isso faz com que a aventura de Halla fique mais atraente e divertida.

Inova, também, na música, toda feita ao vivo, com instrumentistas, cantores e figuras femininas em trajes típicos, que estão ao lado da ação e até interagem em cena.  A música não é colocada no filme, entra diretamente nele.  É uma bela inovação, num filme criativo, inteligente e muito bem resolvido, que apoia decididamente as mulheres e a luta pelo meio ambiente, sem precisar fazer proselitismo nenhum, explorando uma dimensão fantástica para o tema.  100 min.


A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS


A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS é o novo trabalho do diretor turco Nuri Bilge Ceylan, que prima por imagens de grande elaboração e beleza nos seus filmes.  Enriquece o seu apuro visual com locações na Anatólia, a região turca de sua origem, que tem paisagens exuberantes.  É, portanto, com grande prazer que vemos a natureza magnificamente enquadrada, as expressões humanas se revelando, em meio a um ambiente amplo, mostrado por planos gerais e panorâmicas, mas também por detalhes significativos do contexto cultural abordado.

Não fica por aí.  Ceylan discute o mundo contemporâneo e a conquista da identidade, a partir do personagem Sinan, um jovem que deixou sua aldeia para estudar em Istambul e encontrar sua paixão por literatura e o desejo de se realizar como escritor.  Mas o que significa literatura, a quem ela interessa, que papel exerce hoje num mercado tão distante de suas pretensões?  E como ele se vê, no contexto rural de sua origem?  Sua ex-namorada, seu pai endividado, os limites da vida na aldeia, que papel tem tudo isso nessa jornada em busca de autoconhecimento e de realização pessoal?

Como o islamismo é visto e compreendido pelos jovens?  Que polêmicas envolvem a aceitação e a interpretação do Corão no contexto atual?  Muitas reflexões filosóficas e debates sobre a contemporaneidade, a vida e os projetos dos jovens, e também dos adultos, fazem parte dos diálogos do filme.  Como se vê, é um produto artístico muito encorpado e consistente, em todos os seus aspectos.  Nuri Bilge Ceylan é, mesmo, um dos maiores cineastas do cinema atual.  Faz filmes de longa duração, como este, que tem 188 minutos, mas que envolve e encanta durante todo esse tempo, mesmo visto na maratona que é a Mostra.





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