quarta-feira, 4 de julho de 2018

CUSTÓDIA + HANNAH

Antonio Carlos Egypto

                                               CUSTÓDIA

CUSTÓDIA (Jusqu’à la Garde).  França, 2017.  Direção e roteiro: Xavier Legrand.  Com Denis Ménochet, Léa Drucker, Thomas Gloria, Mathilde Auneveux, Mathieu Saikaly.  90 min.


A separação de casais com filhos não precisa ser complicada ou traumática, como a que acontece no filme francês “Custórida”, de Xavier Legrand, um dos destaques da 41ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Muitas vezes, o convívio das crianças com as casas e, eventualmente, famílias de pais e mães separados, pode até enriquecer ou diversificar as experiências delas, se tudo se faz de forma pacífica e civilizada. Pode até persistir um vínculo afetivo bom entre os cônjuges que decidiram, cada um, levar a sua vida em outros termos. 




Mas, quando a separação é litigiosa, resulta em brigas, violência e disputa judicial da guarda e do direito de conviver com os filhos, quem acaba suportando a maior e mais pesada carga são justamente as crianças. Para mostrar isso com clareza e intensidade dramática, “Custódia” coloca em foco o menino que vai a contragosto conviver com o pai, volta para a casa da mãe, fica no meio do conflito, passando recados de um a outro, que não querem se ver. E por aí vai.
 
A narrativa é firme, bem construída, o desempenho do garoto é espetacular, nos faz viver o que ele estaria experimentando.  A questão de gênero é bem mostrada.

A solução dramática final parece inevitável, embora esteja aqui carregada nas tintas.  Mas a sequência é muito boa, extremamente tensa, com um clímax emocionante.  O diretor demonstra um talento incrível já no seu primeiro longa-metragem. 


                                                  HANNAH

HANNAH (Hannah).  Itália, 2017.  Direção: Andrea Pallaoro.  Com Charlotte Rampling, André Wilms, Stéphanie Van Vyve, Simon Bisschop.  95 min. 


“Hannah”, do diretor italiano Andrea Pallaoro, é um filme de climas, sentimentos represados, frustrações e, no limite, perda de identidade.  A personagem título, vivida pela grande atriz inglesa Charlotte Rampling, mal se sustenta de pé, com suas ações cotidianas na casa, num curso de teatro, nadando na piscina de um clube, exercendo um trabalho que envolve cuidar de um menino cego numa instituição, numa vida familiar que desmorona.  Ela tem um marido, com quem mantém relações um tanto distantes, mas ele acaba na prisão, entregando-se voluntariamente.  Ela também tem um neto, mas está impedida de vê-lo pelo filho, que a quer longe.  Ela tem um cachorro, apegado ao marido, com quem também não consegue um vínculo de afeto.

Tudo isso é vivido de forma misteriosa, sem que se possam conhecer as razões objetivas dessas situações.  O diretor não está interessado nisso.  Ele quer nos mostrar a solidão, o declínio da existência, a depressão e a velhice.  Como isso pode ser vivido de forma dolorosa e sem perspectivas.




Para tal se vale de ambientes escuros, embrumados, esfumaçados, com falta de foco no entorno.  Ele filtra através de vidros opacos, filma em ambientes impessoais, os de transporte coletivo, como o metrô.  Lugares onde pessoas também podem expressar emoções de forma abrupta.  No entanto, a solidão parece mais forte justamente numa hora dessas.

O filme é falado em francês, mas tem muito poucas falas.  O som, entretanto, é um de seus trunfos.  O som ambiente, um rádio ligado, falas, risos, latidos, tudo o que cerca Hannah, mas que não diz respeito a ela.  Acentua-se, desse modo, sua alienação do mundo em que habita.

Um retrato íntimo de uma mulher idosa, que suporta suas perdas, que parecem só aumentar, confundindo-se no emaranhado de suas memórias, sem se conectar a elas verdadeiramente.  Tentando não ver, não saber.  Um personagem que é um desafio, vencido com galhardia por Charlotte Rampling, ganhadora do prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza 2017, com todos os méritos.



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