Antonio Carlos
Egypto
De 12 a 22 de abril, é hora de focar a atenção
nos documentários, tanto nacionais quanto internacionais. Chegou a São Paulo e
ao Rio de Janeiro a sempre muito boa seleção do festival É TUDO VERDADE – It’s
All True – 2018. As sessões serão todas
gratuitas, com distribuição de ingressos antes das projeções. Em São Paulo, os filmes estarão no Itaú
Cultural e no Instituto Moreira Salles, ambos na av. Paulista, no SESC 24 de
maio, no Centro Cultural São Paulo, da Vergueiro, e no Auditório
Ibirapuera. Estão programados alguns
debates, itinerância em outras unidades do SESC e programação on line no site Itaú Cultural.
Amir Labaki, o fundador e diretor do festival
nestes 23 anos, afirma que “é um privilégio lançarmos mais uma safra
excepcional de documentários, notadamente brasileiros”. Pela amostra de alguns brasileiros que já
pude ver, estou plenamente de acordo.
Amir Labaki |
O filme da sessão de abertura em São Paulo é o
empolgante e divertido ADONIRAN – MEU NOME É JOÃO RUBINATO, dirigido por Pedro
Serrano. Adoniran Barbosa é figura
emblemática da cena paulistana, que ele cantou em prosa e verso, representou
por meio de seu personagem Charutinho de
‘História das Malocas”, de Osvaldo Moles, no rádio. Fez cinema e telenovelas, mas é o grande
compositor do samba paulistano. “Saudosa
Maloca”, “Samba do Arnesto”, “Iracema”, “Tiro ao Álvaro”, “As Mariposa”, “Pogréssio”, “Prova de
Carinho” e o eterno “Trem das Onze” constituem uma obra soberba. E tem muito mais, é só garimpar. O personagem
Adoniran, o palhaço triste, está muito bem retratado no documentário de Pedro
Serrano. Enche a tela de humor, gaiatice
e sensibilidade diante dos pobres e marginalizados, que eram seus maiores
amigos. E nos remete ao seu querido
Bixiga e a uma São Paulo que ele já não reconheceria. 92 min.
Adoniran - Meu Nome é João Rubinato |
EX-PAJÉ, dirigido por Luiz Bolognesi, retrata
um personagem que já foi poderoso junto à sua comunidade, que é desinvestido de
poder e já não consegue se encontrar.
Perpera foi pajé do povo Paiter Suruí, exerceu o poder de entender e se
relacionar com os espíritos do rio, da floresta, do uso das plantas e das
atividades que curam, como orações, atenção, afeto e dietas dos familiares dos
doentes. Quando o homem branco chegou, e
a igreja evangélica também, o pastor decretou que a pajelança era coisa do
diabo e tudo mudou. É interessante notar
como o saber do pajé tem grande importância e significado para seu povo. E notar também o caráter opressor dos que,
autoritariamente, desagregam os que estavam em harmonia com a natureza. Retomar as práticas de origem, tentando
ensinar às crianças, esbarra no maior interesse delas pelos celulares. Se bem que uma forma de os indígenas
combaterem o abate de suas árvores é denunciar a invasão dos brancos,
fotografando e postando no facebook. É um espanto, não? 80 min.
ESPERA, dirigido por Cao Guimarães, é um
documentário delicado e sutil. O seu
tema, como diz o título, é a espera, os momentos que estão por vir, a
esperança, o que vai se desenvolver, o que vai mudar. Em diversos contextos e situações, geralmente
comuns, do cotidiano. Uma espera, porém,
se destaca: aquela que diz respeito às mudanças do corpo e de gênero, a
transexualidade em mutação. A espera
ansiosa, às vezes angustiante, daquilo que pode corrigir, aliviar, superar a
infelicidade, alegrar. 76 min.
O Processo |
O PROCESSO,
direção de Maria Augusta Ramos,
nos leva a repassar aquele estranho e desarrazoado, porém ritualizado,
processo, que culminou no impedimento e deposição de Dilma Rousseff. Voltar a rever isso para quê? Já vivíamos uma crise econômica e política,
quando Dilma conseguiu se reeleger, mas a ruptura democrática produzida pelo impeachment
acabou por nos levar a uma crise sem
precedentes, que vem abalando todo o quadro institucional, os três poderes da
República, enquanto a economia segue patinando e a pauta de austeridade e
supressão de direitos agrava a situação da classe trabalhadora e deixa os mais
pobres cada vez mais desprotegidos.
Diante disso, é necessário resgatar essa história recente, nada
gloriosa. Maria Augusta Ramos registrou
tudo o que pôde – 450 horas de material filmado – no Congresso Nacional, para
buscar desvendar o processo que levou à mudança radical de poder que se
operou. As falas, reuniões e eventos
oficiais, entrevistas à mídia, encontros políticos dos defensores e apoiadores
de Dilma, corredores do Congresso, bastidores.
Ela buscou recontar essa história indo além do que mostravam os
telejornais diários que conhecemos.
Produz um outro olhar, que se distingue da mídia tradicional, porque
aspira o registro e a revisão históricos.
Ainda que o faça totalmente a quente.
É um esforço louvável. Já foi
exibido e bem recebido no Festival de Berlim.
Deve provocar diversas reações, contra e a favor, como tudo que acontece
hoje no Brasil, tão dividido, em que vivemos nestes dias. 130 min.
Vi, ainda, um filme da competição
latino-americana, o argentino AMARRA SEU ARADO A UMA ESTRELA, dirigido por
Carmen Guarini. É uma homenagem ao
cineasta Fernando Birri, mestre do cinema argentino e latino-americano,
falecido aos 92 anos, em dezembro de 2017.
Uma figura cheia de coragem e lucidez, mesmo nos períodos de ocaso de
vida, que são os que são mostrados aqui.
Seu principal recado diz respeito à importância de manter acesos nossos
sonhos e não desistir das utopias. São
elas que guiam nossa existência e nos apontam o rumo do mundo que queremos
transformar ou construir. 80 min.
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