terça-feira, 3 de abril de 2018

ARÁBIA + TEMPORADA NA FRANÇA


Antonio Carlos Egypto


ARÁBIA.  Brasil, 2017.  Direção:  Affonso Uchôa e João Dumans.  Com Aristides de Souza, Murilo Caliari, Renata Cabral, Gláucia Vanderveld, Renan Rovida.  96 min.

UMA TEMPORADA NA FRANÇA (Une Saison en France).  França, 2017.  Direção e roteiro: Mahamet-Saleh Haroun.  Com Eriq Ebouaney, Sandrine Bonnaire, Leónie Simaga, Aalayna Lys.  100 min.


O cinema dispõe de recursos poderosos para nos trazer, reportar, realidades, que podem estar distantes de nós, não apenas por meio de uma riqueza de informações, mas também com a carga emocional que a situação apresentada requer.  Bons personagens, dentro de uma boa estrutura dramática, são capazes de nos levar a viver a experiência de vida intensa e sofrida de pessoas que estão mergulhadas em contextos sociais diversos dos nossos.



ARÁBIA


 O filme brasileiro “Arábia”, por meio do personagem Cristiano (Aristides de Souza) e seu diário encontrado após sua morte pelo jovem André (Murilo Caliari), nos coloca em cheio na realidade do trabalhador operário no Brasil dos últimos anos e da atualidade.  Conhecemos sua existência bem de perto, o que faz, como trabalha e se relaciona com as pessoas, suas andanças e mudanças, desejos, esperanças, desilusões.  Uma vida muito dura, penosa, mas enfrentada com vigor e resignação.  Emocionalmente nos transportamos para um universo psíquico, que requer um equilíbrio precário e difícil, como fator de sobrevivência, para além das circunstâncias materiais propriamente ditas.

Quem nos conta sua vida no cotidiano é o próprio personagem, na narrativa descritiva e também reflexiva de seu suposto diário, escrito em linguagem simples, mas nem por isso menos elaborada, enquanto dimensão humana. Os diretores evitaram a intelectualização da escrita, mas a deixaram consistente e profunda.  Detalhada demais para a situação, talvez.  É essa narrativa simples e forte que conquista o jovem leitor, que vive no mesmo ambiente e nas mesmas condições de penúria e vulnerabilidade.

“Arábia” é um nome estranho à narrativa do filme.  Refere-se apenas a uma piada contada no bar, que ilustra uma percepção simplista de uma situação inusitada, essa, sim, ligada ao contexto árabe.  Mas é um título que esconde o que é o filme.

Grande vencedor do Festival de Brasília, premiado como melhor filme. ator, montagem, trilha sonora e prêmio da crítica.  Foi bem recebido e premiado em muitos outros festivais internacionais, especialmente em competições latino-americanas.


UMA TEMPORADA NA FRANÇA
  
“Uma Temporada na França” é o título irônico de um filme que também nos leva a viver a dura realidade de um imigrante, Abbas (Eriq Ebouaney), na França.  Fugindo da guerra civil na África Central, ele e sua família primeiro sofrem a perda da esposa e mãe, numa perigosa travessia.  Depois, vão enfrentar a rejeição do pedido de asilo, a expulsão, a sensação brutal de ser indesejado.

Quem não se comoverá com o dia-a-dia do professor de francês do Ensino Médio em seu país que, como imigrante, será rechaçado?  Seus dois filhos ainda pequenos revelam as agruras psíquicas a que estão submetidos.  Há, ainda, a solidariedade da branca francesa, Carole (Sandrine Bonnaire), a evolução para o amor, mesmo em meio aos fantasmas do rompimento recente trazido pela morte.  Mas as leis de imigração são draconianas e a burocracia, demolidora, capazes de produzir, até concretamente, a impotência dos homens.  E a gente sente na pele o que passa esse imigrante africano que precisava de tão pouco para viver uma vida digna.  Bom trabalho do diretor chadiano Mahamet-Saleh Haroun.

Experimentar essas realidades tão distintas bem de perto, com envolvimento emocional, é algo que tem tudo para sensibilizar, tornar mais acolhedor, desenvolver tolerância, diante daquilo que é diverso do que conhecemos.  Não porque, intelectualmente, não tenhamos sido informados, mas porque outra coisa é estar ao lado dos sofredores, compartilhar com eles os sentimentos, as injustiças, as derrotas, a tragédia do cotidiano.  Algo que bons personagens, bons atores, bons roteiros e direção competente no cinema podem nos oferecer.





FESTIVAL SESC  MELHORES FILMES

Chegou a hora do Festival SESC dos Melhores Filmes do Ano de 2017.  A edição 2018, que é a 44ª. do Festival, acontece de 05 a 25 de abril, no Cinesesc – São Paulo.  É uma grande oportunidade para assistir a produções de qualidade valorizadas pelo público e pela crítica, que podem ter escapado, em meio à grande quantidade de lançamentos cinematográficos do ano que passou.  Em especial, em relação aos filmes de autor e do cinema brasileiro, que passam meteoricamente pelo circuito cinematográfico.  Com uma vantagem adicional: o preço módico praticado pelo Cinesesc.  A qualidade da projeção e o som do cinema são impecáveis.

Alguns filmes clássicos também serão exibidos, nada menos do que “ Cidadão Kane”, de Orson Welles, “Juventude Transviada”, de Nicholas Ray, com James Dean, o “Blade Runner” original, de Ridley Scott, e “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg.  Programação para não perder. 



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