sábado, 10 de março de 2018

UMA MULHER FANTÁSTICA



Antonio Carlos Egypto




UMA MULHER FANTÁSTICA (Una Mujer Fantástica).  Chile, 2017.  Direção: Sebástian Lelio.  Com Daniela Vega, Francisco Reyes, Luís Gnecco, Aline Kuppenheim.  104 min.


O filme chileno “Uma Mulher Fantástica”, dirigido por Sebástian Lelio, que também fez o ótimo “Glória”, de 2013, foi o grande vencedor da disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, agora em 2018.  O filme já havia acumulado prêmios importantes, no Festival de Berlim, entre eles, o Urso de Prata de melhor roteiro, depois de haver sido indicado ao Globo de Ouro.

A conquista do Oscar de filme estrangeiro, no entanto, abre muitas portas no mercado  exibidor mundial, o que permite supor que o filme já está sendo visto por um público bem amplo.  No Brasil, voltou aos cinemas, já saiu em DVD, certamente estará em streaming.  Isso é muito importante para o cinema chileno e para a temática que o filme aborda, a transexualidade.




A trama, centrada na garçonete transexual que perde abruptamente seu parceiro de vida e passa a enfrentar um inferno junto à família do morto, às leis e às autoridades, pelo simples fato de ser transexual, é muito competente.  Mostra uma realidade que é negada e incomoda a sociedade, ou boa parte dela.  Abre perspectivas para que o assunto seja encarado como deve: revendo-se as leis que, por tabu e omissão, produzem fortes sofrimentos e injustiças flagrantes.

A premiação do filme já está impulsionando a revisão da legislação chilena, com o apoio de Michelle Bachelet, que pode bancar esse avanço, embora esteja de saída do governo.  Parece que ainda dá tempo.  E, com a exposição mundial do Oscar, outros estímulos mundo afora para a revisão da legislação podem aflorar.  No Brasil, a questão da transexualidade está sendo progressivamente melhor compreendida e alguns avanços acontecem.  Em que pese esta insuportável onda conservadora que, frequentemente, se expressa num festival de ignorância e grosseria.

“Uma Mulher Fantástica” expõe de forma dramática a questão central do problema, com realismo, mas também de forma alegórica.  Algumas das melhores sequências do filme estão no registro alegórico.  O que o torna mais belo esteticamente e mais eficiente, na batalha que trava pela cidadania e direitos dos transexuais.




A atriz Daniela Vega, que é transexual, é o grande destaque do filme, com uma atuação firme, cheia de emoção contida, e mostrando, com toda a clareza na expressão, quanto custa engolir sapos.  E o sofrimento pesado que está por trás do preconceito e da intolerância.  Além disso, exibe seu talento como cantora lírica.

Foi uma bela vitória, também, para o cinema que se faz na América do Sul.  Afinal, os concorrentes russo (“Sem Amor”), sueco (“The Square – A Arte da Discórdia”), e húngaro (“Corpo e Alma”) são filmes de alta categoria.  O libanês (“O Insulto”) agradou muita gente, alcançou inegável êxito.  Quando os concorrentes são desse quilate, o prêmio tem um sabor ainda mais intenso.





Já que estamos falando de Oscar, a cerimônia deste ano revelou uma Academia aberta à diversidade, em todos os sentidos.  Grande espaço para as mulheres, negros, diversidade sexual, étnica e cultural, expressão de nacionalidades e destaque para personagens portadores de deficiência.  Parece que as pauladas que tem levado nos últimos anos e medidas práticas adotadas surtiram efeito.  Até a cerimônia em si foi mais discreta e respeitosa do que de costume.  A expressão política se deu de forma mais moderada, menos histriônica.  O que também é um bom sinal.

Os prêmios se dividiram entre vários filmes e, embora “A Forma da Água” tenha levado o melhor filme e diretor, Guillermo del Toro, não foi uma supremacia tão grande quanto a que já aconteceu em outras oportunidades.  Foi um Oscar equilibrado o de 2018.





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