quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

A FORMA DA ÁGUA e O MONSTRO DA LAGOA NEGRA


Antonio Carlos Egypto


A FORMA DA ÁGUA (The Shape of Water).  Estados Unidos, 2017.  Direção: Guillermo del Toro.  Com Sally Hawkins, Octavia Spencer, Michael Shannon, Richard Jenkins, Doug Jones, Michael Stuhlbarg.  123 min.

O MONSTRO DA LAGOA NEGRA (Creature from the Black Lagoon)Estados Unidos, 1954.  Direção: Jack Arnold.  Com Julie Adams, Richard Carlson, Richard Denning, Nestor Paiva.  80 min.





Reconheço que “A Forma da Água” é um título poético para o filme de Guillermo del Toro, que conseguiu o maior número de indicações para o Oscar 2018: 13.  No entanto, sendo mais concreto, o filme poderia se chamar A Forma na Água ou A Criatura na Água ou, ainda, O Monstro na Água, porque é disso que se trata.  Uma criatura estranha, uma espécie de homem-anfíbio, que remete a “O Monstro da Lagoa Negra”, o filme de Jack Arnold, de 1954, em que se falava de um homem-peixe, algo que cientistas pesquisavam, em busca de encontrar um elo perdido na evolução humana.

Em “A Forma da Água”, não é muito diferente.  Aqui estamos num laboratório estadunidense, em que se fazem experimentos secretos com o tal homem-anfíbio, que vive na água, já não mais na romântica lagoa negra da Amazônia brasileira, mas num conteiner dentro do laboratório.  Embora almejando as águas abertas que levem ao mar.

O MONSTRO DA LAGOA NEGRA

 Pois bem, as duas figuras se assemelham muito, evidenciando que a inspiração de “A Forma da Água” foi o monstro da lagoa negra.  Essa figura humana-animal aparece como um ser que assusta, aterroriza, ao mesmo tempo em que atrai o interesse.  O que é estranho, diferente, é perigoso e, no limite, deve ser destruído.  Antes, porém, vamos explorá-lo, extrair dele o que nos interessa.  No contexto da Guerra Fria dos anos 1960, é a competição com a União Soviética, vista como inimiga, que move as ações.  Suspeita-se do que é diferente, daquele que traz perigo. Como sempre acontece.

Diferentes também se atraem e uma moça muito bonita como Kay (Julie Adams), em “O Monstro da Lagoa Negra”, ou, pelo menos, muito gentil e afetiva, como a Elisa (Sally Hawkins), de “A Forma da Água”, produzem uma atração no tal monstro.  Aí, a referência à história de A Bela e a Fera é óbvia.  No filme de Guillermo del Toro, com um elemento novo, talvez politicamente correto, a bela é uma moça portadora de deficiência comunicativa, ou seja, é muda.  Isso introduz uma variável interessante, ao contar a história, porque facilita que ela esconda seu segredo dos patrões.  Não é da sua deficiência que o filme se ocupa, ela é a heroína da situação, sua coragem e determinação são os elementos que a destacam.  Partindo de uma condição bem modesta, a de funcionária de limpeza do laboratório.  Um pouco de Cinderela vai bem, também.


A FORMA DA ÁGUA

 Se, em “O Monstro da Lagoa Negra”, a aventura toma o primeiro plano, em “A Forma da Água” é o conto de fadas que emerge do substrato líquido da trama. O cineasta Guillermo del Toro busca o estranho, o bizarro, para criar seu mundo e o relaciona com a realidade do que pode ser visto nos telejornais diários, as notícias do mundo.  Foi assim, também, em seu “O Labirinto do Fauno”, de 2006, em que a fantasia interagia com a ditadura franquista espanhola.  O resultado é híbrido, como o monstro humano aquático dos dois filmes, o de 1954 e o de 2017, mas tem seu encanto, assim como eles.

Em “O Monstro da Lagoa Negra”, o vínculo com a realidade se dá mais claramente pela ciência e pelo uso estratégico que pode gerar, com menos vínculo político com a realidade imediata.

“A Forma da Água” é aposta quase certa para vários Oscar.  O filme atrai, agrada, mesmo a quem não faz conjecturas ou associações e curte simplesmente a história de amor e o suspense da narrativa.  Ou se encanta com a linda trilha sonora de Alexandre Desplat, já premiada, assim como o diretor del Toro, com o Globo de Ouro 2018.  Uma gravação de Babalu, de Margarita Lecuona, com Caterina Valente e Silvio Francesco, aparece na trilha e nos faz lembrar da gravação magistral de Ângela Maria, que acompanhou toda sua vida artística.  Tem Carmen Miranda aparecendo na TV cantando Chica Chica Boom Chic


O MONSTRO DA LAGOA NEGRA

 O Brasil estava presente também no antigo monstro, a ação toda supostamente se passava na distante Amazônia brasileira, uma preservada zona do globo, que teria mantido elementos ancestrais da evolução terrena.  Talvez tivesse sentido em 1954, hoje, certamente, não mais, com o desmatamento a todo vapor.

Bem, mas por que estou falando de “O Monstro da Lagoa Negra”, um clássico do distante 1954, junto com “A Forma da Água”, de 2017?  Não só pela influência de um sobre o outro, mas porque é possível vê-los, a ambos, no cinema, agora mesmo, sendo “O Monstro da Lagoa Negra” exibido em cópia restaurada em 3D.  O filme foi realizado originalmente em 3D, quando a moda apareceu, e depois sumiu.  Está em exibição no cinema do Instituto Moreira Salles, que também exibe, assim como outras salas de espetáculo, “A Forma da Água”.  Um programa duplo que vale a pena. 

  


2 comentários:

  1. Acho que o roteiro deste filme foi muito criativo e foi uma peça clave de êxito de A forma da Água. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto Fahrenheit 451 o filme será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes de ficção cientifica, acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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  2. Luciana, nem sempre bons livros rendem bons filmes, são duas linguagens bem distintas. Quanto a FAHRENHEIT 451 já existe em filme, de François Truffaut, de 1966 e é ótimo

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