Antonio Carlos
Egypto
O FILME DA MINHA VIDA. Brasil, 2016.
Direção: Selton Mello. Com Johnny
Massaro, Vincent Cassel, Bruna Linzmeyer, Ondina Clais, Bia Arantes, Selton
Mello. 113 min.
O escritor chileno Antonio Skármeta já teve um texto
adaptado para o cinema, que alcançou grande sucesso, “O Carteiro e o Poeta”,
dirigido por Michael Radford, em 1996.
Arrisco afirmar que “O Filme da Minha Vida”, de Selton Mello, adaptando
a obra de Skármeta Um Pai de Cinema, possa repetir o feito. É um filme que lida com o público de modo
terno, afetivo e lírico. Traz para o
cinema o clima poético e nostálgico do texto de Skármeta, acrescentando-lhe
novos personagens e situações e fazendo novos elos que tornam a trama mais
clara e compreensível, sem resvalar no melodrama ou nas soluções fáceis. E sem perder o clima de mistério, deixando um
caminho para o espectador percorrer, que vai além das imagens e, portanto,
também além do texto original.
O que Selton Mello fez foi uma adaptação literária,
mas de um modo muito pessoal, colocando-se no protagonista e no seu contexto de
época. Ao transportar a trama das serras
chilenas para as serras gaúchas, ele manteve o espírito interiorano da
história, com seus limites, mas ressaltou o sonho dos personagens,
envolvendo-os com referências brasileiras, mantendo e dando cor local à bela
homenagem ao cinema que o texto de Skármeta faz.
Em “O Palhaço”, de 2010, Selton Mello, um dos grandes
atores da sua geração, encontrou seu caminho também como cineasta. Mostrou-se capaz de lidar com emoções de
forma intensa, mas equilibrada. Buscou
comunicar-se com um público amplo, usando o humor, homenageando a cultura
popular, inclusive televisiva, sem adotar seu modelo simplista e
popularesco. Ele mantém esse espírito em
“O Filme da Minha Vida”, onde também dirige e atua simultaneamente, além de ser
roteirista, ao lado de Marcelo Vindicatto.
O filme tem a cara de Selton Mello.
Já é reconhecível sua autoria neste terceiro longa.
A fotografia, a cargo de Walter Carvalho, que tantas
contribuições tem dado ao cinema brasileiro, é lindíssima, nos seus tons
marrons e amarelados ressalta a luminosidade da serra e que, sob névoa ou luz baixa, nos conduz ao
clima frio serrano e aos anos 1960, em que se situa a história, na hipotética
cidade de Remanso. Na verdade, as
filmagens ocorreram em sete cidades diferentes, na região de Garibaldi.
O filme é recheado de boa música daquele período
histórico, com ênfase em canções francesas, já que o protagonista Tony Terranova
(Johnny Massaro) também dá aulas de francês para sua turma de alunos e é filho
de um francês, Nicolas, papel do conhecido ator Vincent Cassel, agora vivendo
no Rio de Janeiro. Nem por isso deixa de
soar estranho ouvir My Way em versão
francesa. Outra estranheza é ouvir a
seminal Rock Around the Clock, de
Bill Haley, em versão nacional.
Estranhezas à parte, é fácil sair cantarolando do cinema. Coração
de Papel, de Sérgio Reis, é um dos hits
em destaque. E de Charles Aznavour Hier Encore.
A história remete à busca de um pai que abandonou
misteriosamente mulher e filho para voltar a viver na França e esqueceu-se da
família. Mas essa versão faz sofrer e
não convence. O que estará por trás
disso? O jovem personagem Tony, enquanto
busca saber do pai, vai construindo uma vida como professor de província,
lidando com a demanda sexual dos alunos pré-adolescentes e da sua própria
demanda amorosa e sexual, ele, recém-saído da adolescência. Os meninos personagens dão margem a cenas
fascinantes e divertidas. Já com a mãe
Sofia (Ondina Clais) há afeto, mas a tristeza da perda marca a relação. As jovens Luna (Bruna Linzmeyer) que encanta
Tony com seu jeito meio maluquinho, e sua irmã, Petra (Bia Arantes) têm papel
decisivo no desenrolar da narrativa.
Assim como o manipulador Paco, o papel de Selton Mello no filme. É um
senhor elenco de atores e atrizes que mergulham intensamente em seus
personagens, revelando que Selton é um ótimo diretor de atores. O que, afinal, não surpreende, com a cancha
de representar que ele tem.
Duas participações especiais merecem destaque.
Rolando Boldrin faz um maquinista de trem, personagem criado por Selton para o
filme, especialmente para ser vivido por ele.
Antonio Skármeta também atua numa ponta e contracena com Selton Mello,
reunindo, assim, os autores de uma bela narrativa, tanto literária quanto
cinematográfica.
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