terça-feira, 18 de abril de 2017

ALÉM DAS PALAVRAS


  Antonio Carlos Egypto




ALÉM DAS PALAVRAS (A Quite Passion).  Inglaterra, 2016.  Direção e roteiro: Terence Davies.  Com Cynthia Nixon, Jennifer Ehle, Keith Carradine, Catherine Bailey, Jodhi May.  125 min.



“Além das Palavras”, do diretor britânico Terence Davies, focaliza a vida da poetisa moderna norte-americana Emily Dickinson (1830-1886).  Ela só foi reconhecida após a morte, teve apenas uns dez poemas publicados em vida.  Mesmo assim, alguns deles saíram sem nome, sem o devido crédito. 

Emily viveu uma vida discreta, reclusa, em que a família era o seu universo e dela nunca se afastou, inclusive rejeitando, até agressivamente, várias propostas de casamento.  Mil e setecentos poemas foram encontrados após sua morte, revelando uma obra poderosa.  Da vida da poetisa pouco se sabe, exceto pelas cartas que escreveu.

As questões de gênero, que eram um forte fator da opressão feminina da época em que viveu Emily Dickinson, impediram que seu talento literário pudesse brilhar e se destacar socialmente.  Ambiente familiar acolhedor, complexos quanto à presumida feiura e incapacidade de colocar em ação os sentimentos que a oprimiam, parecem ter tido um peso importante nessa história.




O cineasta Terence Davies mergulhou nesse universo familiar de Emily Dickinson, e na sua bela poesia, e construiu um filme impecável, de grande talento e beleza.

Desde as primeiras cenas, entra-se em cheio na ambientação do século XIX.  Todos os detalhes cuidadosamente recriados mostram a vida dentro da casa de uma família com posses.  Móveis, objetos de uso e decorativos, roupas, ornamentos, janelas, cortinas, são absolutamente perfeitos.  A iluminação é um destaque à parte, com uma fotografia deslumbrante para a descrição daquela realidade.  A luminosidade interna, que ousa romper a escuridão, sem nunca afrontar o tom mortiço do ambiente, nos remete a um mundo que restringe, mas também protege, um universo familiar que cria uma zona de conforto,  parece bastar-se a si mesmo.  Assim como a personagem que sofre, vive sua solidão em família, mas ali se protege do mundo exterior.

A narrativa põe em relevo a questão de gênero, a opressão ao desabrochar e ao desenvolvimento femininos, numa sociedade que confinava e impedia o êxito e o sucesso das mulheres, desvalorizando de modo absoluto seus talentos que escapassem à esfera doméstica.




O que Terence Davies obtém do desenvolvimento do elenco também é notável.  O espectador mergulha naquele universo, como se estivesse voltando no tempo, e encontra nas atrizes e atores a encarnação perfeita daquele mundo, nos diálogos, nos gestos contidos, nos silêncios, na agressividade que brota súbita em alguns momentos, enfim, em cada situação ou fala.  A vida passa lenta, ruminando por dentro, rotineira, sem grandes sobressaltos.  As atuações dão conta disso muito bem.  A música de estilo clássico, belíssima, complementa a narrativa, pontuando a dimensão do tempo.


Excelente filme do diretor de “Canção do Pôr do Sol”, de 2015, “Amor Profundo”, de 2011, “A Essência da Paixão”, de 2000, “O Fim de Um Longo Dia”, de 1992, e “Vozes Distantes”, de 1988.  Uma carreira impressionante de filmes que primam pela elaborada e meticulosa qualidade artística, em que a beleza das imagens sempre se impõe.



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