Antonio Carlos
Egypto
ALÉM DAS PALAVRAS (A Quite Passion).
Inglaterra, 2016. Direção e
roteiro: Terence Davies. Com Cynthia Nixon, Jennifer Ehle,
Keith Carradine, Catherine Bailey, Jodhi May. 125 min.
“Além das Palavras”, do diretor britânico Terence
Davies, focaliza a vida da poetisa moderna norte-americana Emily Dickinson
(1830-1886). Ela só foi reconhecida após
a morte, teve apenas uns dez poemas publicados em vida. Mesmo assim, alguns deles saíram sem nome,
sem o devido crédito.
Emily viveu uma vida discreta, reclusa, em que a
família era o seu universo e dela nunca se afastou, inclusive rejeitando, até
agressivamente, várias propostas de casamento.
Mil e setecentos poemas foram encontrados após sua morte, revelando uma
obra poderosa. Da vida da poetisa pouco
se sabe, exceto pelas cartas que escreveu.
As questões de gênero, que eram um forte fator da
opressão feminina da época em que viveu Emily Dickinson, impediram que seu
talento literário pudesse brilhar e se destacar socialmente. Ambiente familiar acolhedor, complexos quanto
à presumida feiura e incapacidade de colocar em ação os sentimentos que a
oprimiam, parecem ter tido um peso importante nessa história.
O cineasta Terence Davies mergulhou nesse universo
familiar de Emily Dickinson, e na sua bela poesia, e construiu um filme
impecável, de grande talento e beleza.
Desde as primeiras cenas, entra-se em cheio na
ambientação do século XIX. Todos os
detalhes cuidadosamente recriados mostram a vida dentro da casa de uma família
com posses. Móveis, objetos de uso e
decorativos, roupas, ornamentos, janelas, cortinas, são absolutamente perfeitos. A iluminação é um destaque à parte, com uma
fotografia deslumbrante para a descrição daquela realidade. A luminosidade interna, que ousa romper a
escuridão, sem nunca afrontar o tom mortiço do ambiente, nos remete a um mundo
que restringe, mas também protege, um universo familiar que cria uma zona de
conforto, parece bastar-se a si mesmo. Assim como a personagem que sofre, vive sua
solidão em família, mas ali se protege do mundo exterior.
A narrativa põe em relevo a questão de gênero, a
opressão ao desabrochar e ao desenvolvimento femininos, numa sociedade que
confinava e impedia o êxito e o sucesso das mulheres, desvalorizando de modo
absoluto seus talentos que escapassem à esfera doméstica.
O que Terence Davies obtém do desenvolvimento do
elenco também é notável. O espectador
mergulha naquele universo, como se estivesse voltando no tempo, e encontra nas
atrizes e atores a encarnação perfeita daquele mundo, nos diálogos, nos gestos
contidos, nos silêncios, na agressividade que brota súbita em alguns momentos,
enfim, em cada situação ou fala. A vida
passa lenta, ruminando por dentro, rotineira, sem grandes sobressaltos. As atuações dão conta disso muito bem. A música de estilo clássico, belíssima, complementa
a narrativa, pontuando a dimensão do tempo.
Excelente filme do diretor de “Canção do Pôr do Sol”,
de 2015, “Amor Profundo”, de 2011, “A Essência da Paixão”, de 2000, “O Fim de
Um Longo Dia”, de 1992, e “Vozes Distantes”, de 1988. Uma carreira impressionante de filmes que
primam pela elaborada e meticulosa qualidade artística, em que a beleza das
imagens sempre se impõe.
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