quarta-feira, 15 de junho de 2016

FLORENCE/MARGUERITE


Antonio Carlos Egypto

FLORENCE: QUEM É ESSA MULHER? (Florence Foster Jenkins).  Inglaterra, 2015.  Direção: Stephen Frears.  Com Meryl Streep, Hugh Grant, Simon Helberg, Rebecca Ferguson, John Kavanagh.  110 min.

MARGUERITE (Marguerite).  França, 2015.  Direção e roteiro: Xavier Giannoli.  Com Catherine Frot, Andre Marcon, Michel Fau, Christa Théret, Sylvain Dieuaide.  120 min.


Florence Foster Jenkins (1868-1944), cantora estado-unidense, nascida na Pensilvânia, viúva rica dedicada às artes, financiando clubes e eventos musicais, promovia concertos de canto lírico, destinados a amigos e convidados.  Pretendia ser uma diva da ópera e seu dinheiro ajudava nessas pretensões, tanto que chegou a gravar dois discos.  Mas cantava aos gritos e desafinava loucamente.  O que não a impediu de se apresentar em público para grande plateia, no Carnegie Hall, em 1944, e ser vista por ninguém menos do que Cole Porter e Noel Coward.  Faleceu em Nova York, um mês depois dessa apresentação desastrosa, artisticamente falando.  Que, no entanto, foi um sucesso de público.

 É uma história fantástica, é forçoso reconhecer.  O curioso é que, nos próximos dias, estreiam nos cinemas brasileiros dois filmes baseados ou inspirados na mesma fonte: a da “Pior cantora de ópera do mundo” ou “A diva do grito”, como ela chegou a ser alcunhada.  Um deles é o filme inglês “Florence: Quem É Essa Mulher?”, de Stephen Frears e o outro é o francês “Marguerite”.  Ambos bons trabalhos, mas bem diferentes um do outro.


Florence

Em “Florence: Quem É Essa Mulher?”, Frears faz sua narrativa acompanhando de perto os fatos conhecidos a respeito da tal cantora, respeitando os locais e datas históricos e os personagens envolvidos.  Muito adequadamente, adota a linha da farsa, que me parece a mais apropriada para tratar desse caso estranho.  E o seu filme ganha força com os protagonistas escolhidos: Meryl Streep, no papel de Florence, e Hugh Grant, no papel do ator St. Clair Bayfield, marido de Florence.  Simon Helberg faz muito bem o pianista Cosme Mc Moon, que acompanhou a cantora em todas as apresentações, até o fim, sorrindo por dentro, mas embolsando salário polpudo para isso.


Florence

O filme de Stephen Frears é irônico, engraçado, produz estranheza ao explorar visualmente o universo cafona da diva e seu figurino extravagante, de supostas montagens operísticas.  Navega no surreal da situação, com boa caracterização de época e brilha ao trabalhar o que está por trás de toda a mentira, mantida e orquestrada por St. Clair, enquanto vivia suas aventuras fora do casamento.  Mas, mesmo assim, sendo fiel e dedicado a Florence todo o tempo.


Florence

Uma frase da personagem protagonista resume o espírito do filme de Frears: “Podem dizer que não sei cantar, mas não podem dizer que não cantei”.  Algo como “no peito dos desafinados também bate um coração”, da música de Tom Jobim e Newton Mendonça, eternizada na interpretação de João Gilberto (só que esse jamais desafinou).


Marguerite

O filme francês do diretor e roteirista Xavier Giannoli se baseia na mesma história, mas cria uma ficção com outros componentes e elementos, investindo tanto no dramático quanto no humorístico da situação.  Para começar, altera o nome da personagem para Marguerite Dumont, a transporta para a França dos anos 1920 e a coloca na Ópera de Paris, sendo vista por Charles Chaplin, que estaria por lá, na época.  O disco gravado recebe uma conotação completamente diferente e se dá crédito à ideia de que ela não percebia como soava sua voz. A caracterização de época é mais detalhada e convincente do que a do filme inglês.  As fotos onde se destacam os figurinos extravagantes das “óperas” são uma ótima solução visual para mostrar o engodo da história.


Marguerite

A atriz Catherine Frot está excelente na caracterização de Marguerite/Florence.  Já o papel do marido dela é fosco, não passa uma ideia clara da relação ambígua que devia se estabelecer entre eles.  A brincadeira com o carro que quebra e o coloca sempre de fora das situações é boa, mas o exclui da vida dela com mais frequência do que seria de se esperar.  A rejeição se destaca e põe em dúvida o amor dela por ele e o sentido de proteção que ali existia.  Colocar o mordomo como seu acompanhante ao piano também é uma solução frágil, que não se sustenta muito bem.  Nessa versão, é o mordomo que dá suporte a Marguerite, eclipsando o papel do marido.  Bem diferente da versão inglesa, que permite o destaque de Hugh Grant.  André Marcon, como o marido Georges, é uma figura, simbolicamente, bem menos importante nessa trama.


Marguerite

Na inevitável comparação entre os dois filmes, que estreiam praticamente juntos, fico com a farsa de Stephen Frears mais do que com o drama/comédia de Xavier Giannoli.  Ambos os trabalhos, porém, são boas realizações cinematográficas.

Veio à minha lembrança o lançamento, também simultâneo na época, em 1988, dos filmes “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, e “Splendor”, de Ettore Scola.  Dois belos filmes italianos, sobre a mesma história. Apesar de “Splendor” ter como protagonista o fabuloso ator Marcello Mastroianni e o grande diretor Scola, foi engolido pela emoção genuína de “Cinema Paradiso”, que permanece como um clássico.


            

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