Antonio Carlos Egypto
FLORENCE: QUEM É ESSA MULHER? (Florence Foster Jenkins). Inglaterra, 2015. Direção: Stephen Frears. Com Meryl Streep, Hugh Grant, Simon Helberg,
Rebecca Ferguson, John Kavanagh. 110
min.
MARGUERITE
(Marguerite). França, 2015. Direção e roteiro: Xavier Giannoli. Com Catherine Frot, Andre Marcon, Michel Fau,
Christa Théret, Sylvain Dieuaide. 120
min.
Florence Foster Jenkins (1868-1944), cantora estado-unidense,
nascida na Pensilvânia, viúva rica dedicada às artes, financiando clubes e
eventos musicais, promovia concertos de canto lírico, destinados a amigos e
convidados. Pretendia ser uma diva da
ópera e seu dinheiro ajudava nessas pretensões, tanto que chegou a gravar dois
discos. Mas cantava aos gritos e
desafinava loucamente. O que não a impediu
de se apresentar em público para grande plateia, no Carnegie Hall, em 1944, e
ser vista por ninguém menos do que Cole Porter e Noel Coward. Faleceu em Nova York, um mês depois dessa
apresentação desastrosa, artisticamente falando. Que, no entanto, foi um sucesso de público.
É uma história
fantástica, é forçoso reconhecer. O
curioso é que, nos próximos dias, estreiam nos cinemas brasileiros dois filmes
baseados ou inspirados na mesma fonte: a da “Pior cantora de ópera do mundo” ou
“A diva do grito”, como ela chegou a ser alcunhada. Um deles é o filme inglês “Florence: Quem É
Essa Mulher?”, de Stephen Frears e o outro é o francês “Marguerite”. Ambos bons trabalhos, mas bem diferentes um
do outro.
Florence |
Em “Florence: Quem É Essa Mulher?”, Frears faz sua
narrativa acompanhando de perto os fatos conhecidos a respeito da tal cantora, respeitando
os locais e datas históricos e os personagens envolvidos. Muito adequadamente, adota a linha da farsa,
que me parece a mais apropriada para tratar desse caso estranho. E o seu filme ganha força com os
protagonistas escolhidos: Meryl Streep, no papel de Florence, e Hugh Grant, no
papel do ator St. Clair Bayfield, marido de Florence. Simon Helberg faz muito bem o pianista Cosme
Mc Moon, que acompanhou a cantora em todas as apresentações, até o fim,
sorrindo por dentro, mas embolsando salário polpudo para isso.
Florence |
O filme de Stephen Frears é irônico, engraçado,
produz estranheza ao explorar visualmente o universo cafona da diva e seu
figurino extravagante, de supostas montagens operísticas. Navega no surreal da situação, com boa
caracterização de época e brilha ao trabalhar o que está por trás de toda a
mentira, mantida e orquestrada por St. Clair, enquanto vivia suas aventuras
fora do casamento. Mas, mesmo assim,
sendo fiel e dedicado a Florence todo o tempo.
Florence |
Uma frase da personagem protagonista resume o
espírito do filme de Frears: “Podem dizer que não sei cantar, mas não podem
dizer que não cantei”. Algo como “no
peito dos desafinados também bate um coração”, da música de Tom Jobim e Newton
Mendonça, eternizada na interpretação de João Gilberto (só que esse jamais
desafinou).
Marguerite |
O filme francês do diretor e roteirista Xavier
Giannoli se baseia na mesma história, mas cria uma ficção com outros
componentes e elementos, investindo tanto no dramático quanto no humorístico da
situação. Para começar, altera o nome da
personagem para Marguerite Dumont, a transporta para a França dos anos 1920 e a
coloca na Ópera de Paris, sendo vista por Charles Chaplin, que estaria por lá,
na época. O disco gravado recebe uma conotação
completamente diferente e se dá crédito à ideia de que ela não percebia como
soava sua voz. A caracterização de época é mais detalhada e convincente do que
a do filme inglês. As fotos onde se
destacam os figurinos extravagantes das “óperas” são uma ótima solução visual
para mostrar o engodo da história.
Marguerite |
A atriz Catherine Frot está excelente na
caracterização de Marguerite/Florence.
Já o papel do marido dela é fosco, não passa uma ideia clara da relação
ambígua que devia se estabelecer entre eles.
A brincadeira com o carro que quebra e o coloca sempre de fora das
situações é boa, mas o exclui da vida dela com mais frequência do que seria de
se esperar. A rejeição se destaca e põe
em dúvida o amor dela por ele e o sentido de proteção que ali existia. Colocar o mordomo como seu acompanhante ao
piano também é uma solução frágil, que não se sustenta muito bem. Nessa versão, é o mordomo que dá suporte a
Marguerite, eclipsando o papel do marido.
Bem diferente da versão inglesa, que permite o destaque de Hugh
Grant. André Marcon, como o marido
Georges, é uma figura, simbolicamente, bem menos importante nessa trama.
Marguerite |
Na inevitável comparação entre os dois filmes, que
estreiam praticamente juntos, fico com a farsa de Stephen Frears mais do que
com o drama/comédia de Xavier Giannoli.
Ambos os trabalhos, porém, são boas realizações cinematográficas.
Veio à minha lembrança o lançamento, também
simultâneo na época, em 1988, dos filmes “Cinema Paradiso”, de Giuseppe
Tornatore, e “Splendor”, de Ettore Scola.
Dois belos filmes italianos, sobre a mesma história. Apesar de
“Splendor” ter como protagonista o fabuloso ator Marcello Mastroianni e o
grande diretor Scola, foi engolido pela emoção genuína de “Cinema Paradiso”,
que permanece como um clássico.
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