terça-feira, 7 de junho de 2016

A ODISSEIA DE ALICE


Antonio Carlos Egypto




A ODISSEIA DE ALICE (Fidelio, L’Odyssée D’Alice).  França, 2014.  Direção: Lucie Borleteau.  Com Ariane Labed, Melvile Poupaud, Anders Danielsen Lie, Pascal Tagnati.  97 min.



Alice, vivida pela excelente atriz Ariane Labed, é uma engenheira que trabalha em navios de carga, dando suporte técnico às embarcações.  Isso faz com que ela passe longos períodos em alto-mar, sendo a única mulher entre muitos homens, nos navios.  Ela é independente, corajosa e competente.  Mas é também uma linda mulher, sensual e livre.  Sua presença no navio, obviamente, vai mexer com muitos daqueles homens, que passam bom tempo no mar.




Alice tem um namorado norueguês, Félix (Anders Danielsen Lie), com quem vive uma experiência fortemente sexualizada e apaixonada, quando está em terra.  Mas sua próxima missão será no navio Fidelio, onde ela descobrirá que o comandante é ninguém menos do que seu antigo namorado, Gael (Melvile Poupaud), sua primeira paixão.  E por aí se seguirá uma trama muito bem construída pela diretora estreante e também roteirista, ao lado de Clara Bourreau, Lucie Borleteau.

As imagens exploram o gigantismo do navio Fidelio, por dentro e por fora, e a imensidão do mar, em contraponto às figuras humanas, sua solidão, seus desejos e suas paixões mostrados bem de perto.  Tudo segue sendo muito desafiador para todos os envolvidos na odisseia de Alice.




O mais interessante do filme, porém, é a abordagem da questão de gênero.  A narrativa empodera essa mulher bela e forte, cujo comportamento nos surpreende em muitos aspectos, já que remete a estereótipos masculinos de gênero, assim como alguns homens mostram atitudes mais frequentemente atribuídas ao feminino.  Mas não se trata de uma inversão de valores e, sim, de sua superação.

Há infinitas formas de se ser homem ou mulher e as expectativas quanto aos comportamentos esperados pelos gêneros sufocam e aprisionam os que divergem dos padrões previstos.  Ao relativizar esses padrões, mostrando reações pouco usuais tanto num gênero quanto no outro, o filme areja de modo muito apropriado essa questão. 

A infidelidade é atributo masculino?  Envolvimento amoroso com uma só pessoa é prerrogativa das mulheres?  Iniciativa e agressividade são coisas de homem?  Há formas femininas de expressá-las?  Exercer controle sobre o próprio desejo é “natural” para as mulheres e difícil para os homens?  Como se dão as relações quando as pessoas inovam no comportamento esperado delas, quanto às características socialmente associadas ao gênero?




São bons questionamentos que o desenrolar da história de “Odisseia de Alice” permite levantar, dando ao filme uma dimensão que extrapola o drama romântico em que se pode classificar a película (será que essa palavra ainda vale no mundo do cinema digital?).


Alice é, sem dúvida, bela, mas não recatada, nem do lar. Trata-se de um filme feminista, muito apropriado para um momento em que certos conceitos são embaralhados pelos conservadores, tentando barrar conquistas que a sociedade realizou nos últimos tempos.  O papel da luta das mulheres e do movimento feminista tem sido fundamental nessa história.  É bom que isso seja lembrado e valorizado, também por meio dos personagens de narrativas ficcionais, como “A Odisseia de Alice”.


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