Antonio Carlos Egypto
CEMITÉRIO DO ESPLENDOR (Rak Ti Khon Kaen). Tailândia, 2015. Direção e roteiro: Apichatpong
Weerasethakul. Com Jenjira Pongpas
Widner, Banlop Lomnoi, Jarinpattra Rueangram.
122 min.
“O melhor lugar do mundo é aqui e agora”, pregava
Gilberto Gil em uma canção. Pelo menos,
não há nada mais centrado e vinculado à realidade da pessoa e de sua relação
com o mundo do que o aqui e o agora.
Estar inteiro nas coisas e usufruir do momento é uma atitude saudável,
certamente. E o contrário disso pode até
significar algo de patológico.
Não é de estranhar, portanto, que o filme “Cemitério
do Esplendor”, do ótimo diretor tailandês Apichatpong Weerasethakul, seja
situado num hospital. Na verdade, um
hospital improvisado, instalado numa antiga escola abandonada. Numa das cenas de atendimento, o médico
sugere ao paciente que procure um hospital de verdade para se tratar, já que
ali faltam recursos.
De fato, as instalações parecem precárias e os leitos
estão tomados por soldados com uma misteriosa doença do sono. Eles passam quase todo o tempo dormindo,
assistidos por alguns voluntários ou parentes que se dispõem a acompanhá-los em
plena vivência do sono. E que estão ali
em busca de conectar-se com os sentimentos e sonhos desses soldados que, na
verdade, lá não parecem estar.
A personagem de uma vidente se destaca, ela usa seus
poderes para se comunicar com o que os soldados estariam vivendo e ajudar os
parentes a se relacionarem com esses homens adormecidos. Já uma voluntária vincula-se ao passado do
local como escola e vê coisas que então aconteciam.
Descobriremos, ao longo do filme, que a floresta que
circunda o local foi no passado remoto um lugar esplendoroso, cheio de luxo e
riqueza. Onde vemos árvores, folhas e
caminhos, a vidente vê magníficos palácios, salas ricamente decoradas, reis e
guerreiros que devem estar se valendo da energia dos soldados adormecidos para
realizar suas batalhas de um tempo muito distante.
Com uma narrativa como essa, que estou tentando
resumir aqui, o cineasta tailandês cria um filme original, na medida em que
nada (ou quase nada) do que é mostrado é o que importa. Tudo está fora daqui,
em outro lugar e num outro tempo. O
filme suprime o aqui e agora. O que
resta dele é o que de mais banal existe: o momento em que se acorda, a ingestão
de um alimento, uma ida ao banheiro.
Quando se faz um passeio pelo bosque, não é lá que estamos e não é disso
que se fala. Quando se dorme, o que prevalece
é o que está fora dali, nos sonhos ou nas vidas passadas que estão sendo
experimentadas.
O que não vemos é o que importa, não o que
vemos. Assim como na literatura, o filme
só se completa na imaginação de cada um.
Pode-se ter, assim, uma compreensão do esplendor desse passado, tão
presente, e desse lugar tão distinto do hospital e da floresta que ali
estão. O título não podia ser melhor, é
um cemitério que não aparece como cemitério e que tem um esplendor imaginário,
que nunca vemos.
As eventuais crenças em outras vidas ou referências a
uma concepção budista do mundo, no caso aqui, é o que menos importa. Há uma espiritualidade que exala da trama,
mas não se trata de nenhum tipo de proposta religiosa. E também não é nada solene. O filme tem lances bem-humorados e até
eróticos. Alguns elementos inesperados
compõem o charme do espetáculo.
É preciso se deixar levar pela proposta e curtir o
filme sem ficar preocupado em tentar entender ou julgar o que está
acontecendo. Aí, a obra artística se
revela, de algum modo. Pelo que produz
de ressonância, em cada espectador. Para
mim, um dos filmes mais intrigantes e divertidos do ano.
Para quem não sabe, ou não lembra, quem é Apichatpong
Weerasethakul (que nome, hein?), ele é o diretor de “Tio Boonmee, que pode recordar
suas vidas passadas”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 2010, cuja
crítica pode ser encontrada também aqui, no cinema com recheio.
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